(Autor: Bispo José Ildo Swartele de Mello)
O ministério de compaixão de Wesley não era uma isca para a evangelização, como se costuma ver hoje em dia, mas, sim, uma ação natural daqueles que foram chamados das trevas com a missão de serem a luz do mundo. Interessante notar que boa parte dos que foram curados por Jesus, não regressaram sequer para agrade-lo. O que demonstra que o ministério de ação social tem valor em si mesmo, por derivar a sua ação da própria natureza do Reino de Deus, que é amor, justiça e paz. Algumas das mais célebres frases de Wesley revelam sua consciência social, "... o cristianismo é essencialmente uma religião social; e reduzi-la tão somente a uma expressão solitária é destruí-la”. “Faça todo o bem possível, por todos os meios possíveis, de todos os modos possíveis, em todos os lugares possíveis, em todas as ocasiões possíveis, a todas as pessoas possíveis, tanto quanto for possível." E, "a excelência da sociedade para a Reforma dos costumes é...primeiro, mover campanha aberta contra toda a impiedade e injustiça, que cobrem a terra como num dilúvio, e isto é um dos meios mais nobres de confessar a Cristo." Snyder menciona trechos de sermões de Wesley que mostram que ele via que o mundo havia melhorado por causa da ação do cristianismo. E, falando mais especificamente sobre as transformações sociais promovidas pelo movimento wesleyano, que cresceu tremendamente em número, através de uma missão que se realizava através de palavras e obras, ele destacou o crescimento de todas as obras de benevolência e caridade, com a construção de muitos hospitais, enfermarias e outros locais públicos para a prática de ajuda humanitária.i Wesley trabalhava de maneira incessante em favor de uma mais vital, mais agressiva, mais amável e mais autentica e visível manifestação da Igreja como a comunidade do povo de Deus, a comunidade escatológica que existe para servir aqui e agora como agente do Reino de Deus.ii
Pois, para Wesley, as boas obras são a maneira pela qual a Igreja cumpre o seu papel de ser luz do mundo: “Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (Mt 5:16). “Havia em Jope uma discípula por nome Tabita, nome este que, traduzido, quer dizer Dorcas; era ela notável pelas boas obras e esmolas que fazia” (At 9:36). “Seja recomendada pelo testemunho de boas obras, tenha criado filhos, exercitado hospitalidade, lavado os pés aos santos, socorrido a atribulados, se viveu na prática zelosa de toda boa obra” (1 Tm 5:10). “Torna-te, pessoalmente, padrão de boas obras. No ensino, mostra integridade, reverência” (Tt 2:7). “Fiel é esta palavra, e quero que, no tocante a estas coisas, faças afirmação, confiadamente, para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de boas obras. Estas coisas são excelentes e proveitosas aos homens” (Tt 3:8). “Agora, quanto aos nossos, que aprendam também a distinguir-se nas boas obras a favor dos necessitados, para não se tornarem infrutíferos” (Tt 3:14).
João Wesley viveu um estilo de vida simples, ainda que recebesse um bom dinheiro como fruto de seu trabalho em diversas áreas como ensino, publicação literária e ministério pastoral, ele vivia apenas com vinte e oito libras por ano, muito pouco, suficiente apenas para as necessidades básicas, dando todo o excedente para os pobres e para a causa do Reino de Deus. Num ano, por exemplo, Wesley deu noventa e dois libras, 3 vezes mais do que reteve para sua subsistência! Uma vez, já com uma idade avançada, Wesley foi capaz de andar várias milhas com a intenção de economizar o dinheiro da carruagem com vistas a dar o dinheiro para os pobres.iii Pois para Wesley a graça de dar é a evidência final da vida cheia do Espírito Santo. Porque a graça recebida que não se transforma em graça livremente distribuída está sujeita a ser cancelada pelo Rei. Para ser plenamente operante, a graça gratuitamente recebida das mãos do Rei precisa se transformar em graça livremente distribuída e estendida ao próximo.iv Precisamos conhecer a alegria tanto da graça de receber quando de dar livremente para a glória de Deus. Como Paulo exortava: “pratiquem o bem, sejam ricos de boas obras, generosos em dar e prontos a repartir” (1 Tm 6:18). Wesley, em termos quase poéticos, falou que compartilhar as graças recebidas está na própria natureza do crente e faz parte da essência da missão cristã:
“Vossa própria natureza é dar sabor a tudo quanto vos rodeia. É da natureza do divino sabor que existe em vós expandir-se em tudo quanto tocardes, difundir-se por todos os lados, atingindo a todos aqueles em cujo meio estiverdes. Esta é a grande razão pela qual a Providência de Deus vos misturou com os outros homens, de modo que as graças, quaisquer que sejam, que de Deus houverdes recebido, possam ser comunicadas através de vós ao demais homens.”v
Alcorn registra em seu livro o evento que mudou completamente a perspectiva de Wesley a respeito de como viver uma vida simples com intuito de praticar a caridade. Este episódio, que relataremos a seguir, aconteceu em 1731, enquanto ele ainda estudava em Oxford, e influenciou ininterrupta e poderosamente a sua vida por 60 anos, até a sua morte em 1791. Wesley tinha acabado de comprar uns quadros para o seu quarto, quando uma arrumadeira se aproximou de sua porta. Era um dia de inverno e ele notou que ela tinha apenas um fino vestido de linho que era muito inadequado para enfrentar o inverno inglês. Comovido, ele mete a mão no bolso com intuito de dar para ela comprar um casaco, mas descobre que tinha restado pouco dinheiro após as compras dos quadros. Naquele momento, ele sentiu que Deus não tinha se agradado da maneira como ele havia gastado o seu dinheiro. Ele perguntou para si mesmo: “Estaria o Senhor me dizendo: ‘Muito bem, servo bom e fiel?’ Você adornou a sua parede com o dinheiro que poderia ter aquecido e protegido esta pobre criatura do frio! Ó justiça! Ó compaixão! Não são estes quadros o sangue desta pobre arrumadeira?” Alcorn nos conta que após este incidente, Wesley começou a estabelecer limites as suas despesas de modo a separar mais dinheiro para dar aos pobres. Wesley registrou que em um ano, os seus rendimentos foram da ordem de 30 libras e que ele gastou 28 libras e deu 2 aos pobres. No próximo ano, seus rendimentos dobraram, mas ele permaneceu vivendo com 28 libras e deu 32. No terceiro ano, seus rendimentos saltaram para 90 libras, e, de novo, ele continuou vivendo com 28, e fez caridade com 62 libras. No quarto ano, ele ganhou 120 libras e continuou vivendo com 28, para poder dar 92 aos pobres. Num ano, ele chegou a ganhar mais de 1.400 libras, separou 30 libras para as suas necessidades básicas e deu todo restante, pois ele tinha medo de juntar tesouros na terra, de maneira que o dinheiro ia para caridade, tão rápido quanto chegava! Alcorn registra ainda que os direitos autorais dos livros publicados de Wesley deram a ele numa certa ocasião o que equivalente hoje a US$ 160,000. Mesmo assim ele continuou vivendo com o mesmo que de costume, o equivaleria hoje a aproximadamente US$ 20,000.vi Certa vez, uma mulher rica, ao morrer, deixou a Wesley uma herança equivalente a 25.000 dólares. Mas o dinheiro não permaneceu por muito tempo nas mãos de Wesley, que logo repartiu o dinheiro com os pobres, dizendo: Sou administrador de Deus para servir aos pobres”.vii Quando Wesley faleceu, o único dinheiro que constava em seu testamento eram umas poucas moedas que foram encontradas no seu bolso e em uma de das gavetas de seu armário.viii Wesley viveu de modo radical. Sua vida foi e é uma inspiração para aqueles que almejam viver um cristianismo autêntico, comprometido com o Reino de Deus. Um estilo de vida assim pode impactar esta sociedade de consumo.
Wesley não apenas viveu de modo simples para poder solidarizar-se com os pobres e praticar caridade, como também priorizou os pobres no quesito pregação do Evangelho. Wesley disse que “o maior milagre na Igreja é pregar o evangelho aos pobres”. Outro milagre é a quebra de barreiras na unidade de pessoas de diferentes raças e classes sociais, com o intuito de demonstrar visivelmente a reconciliação de todas as coisas em Cristo (Ef 1-4). Veremos a seguir como Wesley enfrentou os grandes desafios sociais de seus dias.
iIbid. p. 82 e 83.
iiIbid. p. 89.
iiiMcKenna, David L. What a Time to be Wesleyan! Proclaiming the Holiness Message with passion and purpose. Kansas, Missouri: Beacon Hill Press, 1999, p. 41 e Snyder, Howard A. The Radical Wesley and Patterns fo Church Renewal. Eugene, OR: Wipf and Stock Publishers, 1998, p. 19.
ivMcKenna, David L. What a Time to be Wesleyan! Proclaiming the Holiness Message with passion and purpose. Kansas, Missouri: Beacon Hill Press, 1999, p. 40.
vWesley, João. Sermões de Wesley. Volume 1. São Bernardo do Campo, SP: Imprensa Metodista. 3a. Edição. 1985. Sermão XXIV – Sobre o Sermão do Monte – Discurso IV. P. 505.
viAlcorn, Randy C. “Money, possessions, and eternity”. Illinois: Tydale House Publishers, 2003. P. XV, Introdução. P. 298-299.
viiLelièvre, Mateo. João Wesley, sua vida e sua obra. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida. 1997. P. 230 e 231.
viiiAlcorn, Randy C. “Money, possessions, and eternity”. Illinois: Tydale House Publishers, 2003. P. XV, Introdução. P. 299.
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