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Conclusões sobre o Milênio

Por José Ildo Swartele de Mello

O Reino de Deus não foi postergado, mas já foi inaugurado por Jesus Cristo em Sua primeira Vinda, como pudemos ver detalhadamente no capítulo que tratou da natureza do Reino de Deus. Vimos como o Pré-tribulacionismo não tem base bíblica e conduz ao escapismo e também como o Premilenismo está ancorado em um único texto da Bíblia que se encontra no livro de Apocalipse, que sabemos está repleto de figuras de linguagem. E, por se tratar do tema do Reino de Deus, tão ampla e detalhadamente descrito por Jesus e seus Apóstolos nas demais passagens do Novo Testamento, deveria ser lido e interpretado a luz destes textos tão mais claros, que ensinam sobre a natureza e o estabelecimento do Reino de Deus. Isto evitaria muitos erros, inclusive, o pior deles, o de favorecer uma postura de acomodação e alienação diante do status quo, o que dificulta em muito que a Igreja tenha a clara consciência de seu papel no Mundo e exerça sua missão de modo integral e não apenas se dedique a obra de evangelização.

A Escatologia está embasada na própria natureza da Trindade, na doutrina da criação, nos propósitos eternos de Deus, na natureza de Jesus como Rei, Sacerdote e Profeta, na natureza do Reino de Deus, na pessoa e obra do Espírito Santo, na natureza e na missão da própria Igreja, no sentido de contribuir com os propósitos de Deus de conduzir a história da humanidade ao seu destino final e desejável.

Portanto, vimos que quanto melhor é a nossa compreensão da natureza do Reino de Deus que se manifestou em Cristo, quanto mais distantes estaremos do perigo que representam para a Missão da Igreja as posições escatologias extremistas, tais como o ponto de vista futurista, que é pessimista em relação ao presente, que a respeito do Reino de Deus, diz: “Agora não; depois”, e que, por isso, tem levado muitos à acomodação, alienação e ao escapismo, numa atitude meramente contemplativa, que reduz a missão da Igreja ao campo da salvação das almas, adiando a esperança do Reino, e carregando nas tintas ao descrever os vaticínios de juízo e condenação, se portando como se fossem agoureiros do fim do mundo, que para eles só vai de mau a pior, idéia esta que favorece a criação de grupos sectários que fogem do mundo; e, já, do lado oposto, temos também o ponto de vista triunfalistai que diz: “Não depois, agora!”, pregando o paraíso na terra já na era presente e contribuindo também para a manutenção do status quo, fomentando a ganância, e apresenta a Deus como um instrumento para a satisfação do ideal desta sociedade de consumo, que materialista, hedonista e individualista. De um e de outro lado, tal polarização extrema revela um desequilíbrio que não faz jus à natureza paradoxal e multidimensional do Reino de Deus derivada da tensão entre os aspectos presente e futuro do Reino em decorrência de estarmos vivendo num período intermediário que se encontra entre a primeira e a segunda-vinda de Cristo. O Reino de Deus, de fato, é tanto presente como futuro, já foi inaugurado e está entre nós, promovendo transformações substanciais, mas se manifestará em sua plenitude, produzindo transformação total, somente por ocasião da Segunda Vinda de Cristo.

Jesus não veio para criar uma religião, mas para cumprir o propósito de Deus de colocar todas as coisas sob o seu governo.ii Pois Deus está interessado em promover a restauração do homem consigo mesmo, com o seu semelhante e com a criação, devemos fazer missão buscando alcançar estes objetivos divinos, movidos pelo Espírito Santo, que nos capacita com dons e talentos com vistas à edificação do Reino e o serviço cristão, devemos seguir o exemplo de Cristo que veio para servir e não para ser servido. Como cristãos não devemos apenas nos preocupar em aprender a teologia de Cristo, mas precisamos dar a devida atenção ao seu estilo de vida e ministério como modelo para nós. Precisamos por Jesus em prática. Pois andar como ele andou é o sinal do verdadeiro crente. Se não existe dicotomia entre o ser e o agir de Cristo, nem tão pouco deveria existir em nós, que carregamos o seu precioso nome.

O Reino de Deus e a Missão da Igreja

A Missão da Igreja é continuação da Missão de Cristo. A Igreja está intimamente ligada a Cristo e ao Espírito de Deus em sua missão. Pois, como Corpo de Cristo, tem Jesus por cabeça e o Espírito como sua alma. A Igreja age em cooperação com Deus (2 Co 6.1), como um agente do Reino de Deus para cumprir sua Missão de ser sal da terra e luz do mundo. Para tanto, precisa sair de suas trincheiras e necessita também contar com a participação de cada membro com os seus dons e talentos, que foram concedidos para servir não apenas dentro das estruturas formais da Igreja, mas também para promoção dos valores e para o cumprimento dos propósitos do Reino de Deus no Mundo. Há uma relação entre o sacerdócio e os dons, que são essenciais para o exercício de seu ministério. Todos os membros da Igreja, sem exceção, por terem sido integrados no corpo, receberam dons e ministérios. Não há lugar no Corpo de Cristo para crentes de arquibancada, que permanecem como meros expectadores ou clientes. A Missão não é privilégio de um pequeno grupo que foi chamado para o campo missionário no exterior ou para o ministério ordenado. Todo cristão é um missionário em todo lugar, onde quer que esteja, pois toda a necessidade humana é campo missionário. O pastor não deve exercer o monopólio do ministério e dos dons. O líder cristão não deve se apegar ao poder. Deve ser reconhecido por quem é e não pelo cargo que ocupa. O papel do pastor é o de capacitação como se vê em Efésios 4. Algo como um treinador em um time. O pastor deve ajudar também a todos os membros, com seus dons e talentos, a se porem a serviço do bairro. A Igreja existe para servir e faz isto para a glória de Deus. A Igreja precisa estar presente no bairro num sentido construtivo onde a evangelização se dá no contexto do convívio e em meio ao serviço que está sendo prestado a comunidade.

Aprendemos com Jesus que o estilo de liderança do Reino de Deus nada tem a ver com o estilo de governar deste mundo, pois não é dominador, não se impõe pela força, mas procura cativar e inspirar pelo exemplo, pela humildade, e pelo serviço em amor. É um estilo as avessas do padrão comum de autoridade, pois é caracterizado pela cruz, pelo burrinho, pelo balde e a toalha.

Vimos também algo sobre o alcance político da Missão da Igreja, não na busca pelo poder, mas sim no sentido de que, como sal, luz e fermento, sua influência deve se fazer sentir em todas as esferas da vida, o que inclui a política. O envolvimento político da Igreja não deve ser encarado como uma defesa dos seus próprios interesses. Pois, como vimos, a natureza da Igreja e de sua missão é existir para servir aos interesses do Reino. A Igreja não existe para si mesma, mas existe para os outros.

Wesley, Escatologia e Missão - Um Resumo

Vimos como a escatologia pós-milenista realista de Wesley contribuiu para que os metodistas primitivos pudessem exercer um ministério integral com grande impacto social. Embora fosse realista devido a sua consciência da realidade e da natureza do pecado humano, Wesley mantinha viva uma esperança otimista baseado em sua confiança no poder regenerador da graça de Deus. Wesley aprendeu com Jesus a não usar nem a mais razoável das desculpas para justificar acomodação diante da “realidade” da natureza das coisas. O realismo não deve sufocar nossa confiança que está baseada no poder e na providência divina. A Igreja crê em milagres! Ela deve crer no poder de Deus para transformar a realidade e para restaurar o propósito original da natureza das coisas. Com Jesus o imponderável se torna realidade. A Igreja não deve se render e nem se conformar numa atitude de acomodação ao mundo e seu sistema, mas deve ser reativa e positiva no sentido de transformar-se a si mesma para tornar-se um instrumento de transformação nas mãos de Deus. O ministério de compaixão de Wesley não era uma isca para a evangelização, como se costuma ver hoje em dia, pois o ministério de ação social tem valor em si mesmo, por derivar a sua ação da própria natureza do Reino de Deus, que é amor, justiça e paz.

A missão deve se realizar através de palavras e obras para tornar visível a manifestação da Igreja como a comunidade do povo de Deus, a comunidade escatológica que existe para servir aqui e agora como agente do Reino de Deus, com um ministério mais profético que clama por justiça seja no púlpito, seja nos meios de comunicação, ou até mesmo em passeatas e marchas mais comprometidas com a realidade brasileira, ou seja, que estejam mais relacionadas com as aspirações e gemidos do nosso povo. Para que possamos ser a voz dos que não tem voz.

Com Wesley aprendemos também que um estilo de vida simples, com o propósito de praticar a caridade de maneira generosa e sacrificial é a melhor maneira de se combater o materialismo e o individualismo que caracterizam esta nossa sociedade de consumo. Isto sim significa buscar em primeiro lugar a justiça do Reino de Deus.

Aprendemos também o vital papel da democratização do ministério com a abertura para a participação dos leigos e também o fundamental papel dos grupos pequenos para o desenvolvimento da cultura do Reino de Deus. A Igreja existe não apenas para proclamar o Evangelho do Reino, mas para também servir de modelo do Reino de Deus para a sociedade em geral.

Por fim, queremos enfatizar que a missão integral da Igreja só pode ser cumprida através da mediação do Espírito Santo de Deus. Os profetas do Antigo Testamento deixaram claro que só por uma intervenção poderosa do Espírito Santo é que os corações seriam transformados e capacitados para fazerem a vontade de Deus e cumprirem sua missão (Ez 36:26; Is 61.1ss). O próprio Cristo foi ungido pelo Espírito para o cumprimento de sua missão messiânica de evangelizar os pobres; proclamar libertação aos cativos e restauração da vista aos cegos, pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano aceitável do Senhor, o ano do Jubileu que tinha como objetivo promover a justiça social (Lc 4.18-19). E sabemos que sem Pentecostes não haveria Igreja. Somente pelo poder e capacitação do Espírito é que a Igreja pode enfrentar o desafio de viver a ética do Reino de Deus para proclamar o Evangelho do Reino não apenas por palavras, mas também por obras, servido de modelo para o mundo. Vimos como Wesley com toda boa intenção e também com toda a sua excelente formação familiar e com todo o seu preparo acadêmico, acabou experimentando um grande fracasso em sua primeira investida missionária na América. No entanto, após ter reconhecido sua frieza espiritual, sua incredulidade e seu pecado, e de ter se arrependido, passando a estar sedento de Deus, foi que Wesley foi avivado pelo Espírito Santo, o que, conforme vimos produziu um impacto extraordinário em sua vida e ministério, o que, entre tantos frutos, fez também com que os metodistas de Wesley chegassem a ser a maior Igreja Evangélica nos Estados Unidos em meados do século XIX. De tempos em tempos a Igreja precisa ser renovada. Precisamos de um reavivamento. Não me refiro a um avivamento do tipo emocionalista e manipulador, que parece mais fabricação humana. Mas precisamos de um avivamento nos moldes do Novo Testamento, algo como o avivamento wesleyano que produz transformação de vidas e também transformação da sociedade, por impulsionar a Igreja ao cumprimento de sua missão de modo integral, como agente que é do Reino de Deus. Mártir Luther King em seu famoso sermão, disse: “Eu ainda tenho um sonho!”, foi capaz de viver e morrer por este sonho. Wesley sonhou com a expansão do Reino de Deus na terra, sonhou, por exemplo, com o fim da escravidão. E nós, como Igreja brasileira, que sonhos ainda temos?

iEstamos focalizando aqui a teologia da prosperidade, mas os argumentos usados aqui para combater a idéia da realização plena do Reino na era presente se aplicam também a outras teologias como a teologia da libertação e para todas as demais posições triunfalista que supervalorizam determinados textos da Bíblia em detrimento de outros tantos, não mantendo viva a tensão entre as dimensões presente e futura do Reino de Deus.

iiPadilla, C. R. Missão Integral, São Paulo, FTL-B/Temática, 1992. P. 53.

Comentários

  1. milênio
    Apocalipse 20:4 diz sobre a ressurreição dos que irão morrer na grande tribulação e vão reinar com Cristo os mil anos.
    Apocalipse é bem claro que haverá um milênio literal.Apocalipse 20:7 diz que quando acabar os mil anos o diabo será solto, indicando claramente que se trata ainda nesta terra presente, só depois que virá de fato o fim do mundo Apocalipse 20:8-10.Não confundir o milênio com o novo céu e nova terra, ambos casos diferentes.
    um abraço

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  2. Eu não confundo o milênico com o novo céu como você insinua. O Apocalipse é uma livro repleto de figura de linguagem, portanto as palavras "claro" e "literal" costumam não se aplicar a ele. A Bíblia interpreta a própria Bíblia, ou seja, um texto mais claro lança luz sobre textos mais difíceis. Como não encontramos referência a um milênio nos ensinos de Cristo e dos Apóstolos, devemos entender este texto de Apocalpse como uma referência ao Reino de Deus que já foi inaugurado por Jesus como ele e os apóstolos nas Espístolas deixaram bem claro! Para uma melhor exegêse do Livro, a pergunta a ser feita não é "O que é", mas, sim, "o que significa isto?" Um abraço!

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  3. Olá! perguntas:o que seriam os tronos e aqules que tinham autoridades para julgar?
    quem são os restantes do mortos que ainda não reviveram?
    sobre o versiculo 9?
    Desde já agradeço pela atenção

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  4. Nobre Bispo e leitores,
    Ler apocalipse requer um cuidado muito especial, pois a linguagem figurada tem provocado muita confusão até mesmo entre os teólogos e estudiosos.
    A ideia de um espeço de mil anos (milênio) aparece explicitamente somente em Apocalipse 20, mas, de acordo com a Bíblia, parece estar implícita em outras passagens.
    O Livro de Gênesis, por exemplo, quando fala que Deus REPOUSOU no sétimo dia (Gn 2:2-3), parece trazer uma ideia implícita de milênio (um dia é como mil anos), pois o Livro de Hebreus associa Jesus Cristo ao REPOUSO do cristão (Hb 4:9-11).
    Pelas palavras de Paulo, acabamos entendendo o milênio citado em apocalipse e, de quebra, podemos cogitar inclusive a possibilidade de que o mundo atual dure 6 mil anos e termine com o milênio final, que simbolizaria a vida eterna, ou o REPOUSO ETERNO.
    Todo cuidado é pouco, pois a mente humana é bastante fértil, precisando do auxílio do Espírito Santo nas coisas concernentes à Palavra de Deus.
    Deus te abençoe!!!

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