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Desafios sociais que a Igreja encara hoje

(Autor: Bispo José Ildo Swartele de Mello)


Já vimos que a Missão de Cristo e da Igreja não tem a ver apenas com indivíduos e com aspectos espirituais. Há uma íntima relação entre indivíduos e sistemas sociais. Pois enquanto as pessoas criam sistemas sociais como instituições econômicas, políticas, religiosas e culturais, ao mesmo tempo estas mesmas instituições modelam as pessoas.i O impacto da queda afeta tanto o indivíduo como o sistema social, portanto o impacto do Evangelho do Reino deve se fazer sentir sobre ambos. A missão cristã trabalha em favor da redenção de todas as pessoas, sistemas sociais e meio ambiente, apresentando um Evangelho completo que tem a ver com toda a vida. Este é o Reino de Deus.ii

Veremos, mais adiante, como foi que Wesley e o metodismo encararam de modo exemplar questões sociais que eram muito importantes naquele tempo. O sucesso deles em algumas empreitadas como na questão da abolição da escravidão, nos inspira e nos dá confiança para enfrentarmos os grandes desafios sociais dos nossos tempos. Como Igreja devemos saber quais são as questões sociais que estão aí diante de nós, como um desafio para a Igreja.

Poderíamos falar sobre injustiça social, globalização, guerras, violência urbana, desestruturação familiar, crise de autoridade, relativismo, vícios, pornografia, comportamento sexual, hedonismo, individualismo, consumismo, materialismo, aborto, eutanásia, corrupção, questões do meio-ambiente, e tantas outras sérias questões que afetam a humanidade. Mas não é propósito deste trabalho tratar de cada uma das sérias questões sociais que a Igreja tem que encarar nos dias de hoje, mas, como exemplo, queremos levantar algumas questões buscando traçar algumas linhas de ação para a Igreja diante de alguns desafios que se apresentam.

Um dos principais problemas que ainda desafia a consciência cristã na atualidade é a questão da justiça social. Gerada pelo individualismo materialista e hedonista da nossa sociedade que tem sido caracterizada pelo consumismo. Como bem advertiu Padilla, quando disse que, nós, como Igreja, “não podemos perder de vista o caráter demoníaco de todo o meio ambiente espiritual que condiciona o pensamento e a conduta dos homens. Não podemos ignorar a realidade do materialismo, a absolutização da era presente no que ela oferece”.iii Concordo com Padilla quando ele diz que o cristianismo secular está obcecado com a vida deste mundo, onde a esperança cristã acaba se confundindo com a esperança intramundana do marxismo, expressa na teologia da libertação, e do capitalismo, expressa na teologia da prosperidade, e, no extremo oposto, temos a escatologia futurista que faz da religião um meio de escape da realidade presente, postura esta que acaba por justificar à critica marxista de que a religião é o ópio do povoiv, pois serve como instrumento para manutenção do status quo, tanto por uma atitude de fuga no caso dos dispensacionalistas, como numa atitude de acomodação ao espírito da época na edificação de um cristianismo-cultura como acontece no caso da teologia da prosperidade, na apresentação de um “evangelho” adequado ao “cliente”, que são os “livre consumidores”. Precisamos, continuamente, estarmos nos julgando a nós mesmos e as nossas ações a luz da palavra de Deus para que não sejamos um mero reflexo da sociedade, com seu materialismo, mas, sim, que possamos cumprir nossa missão na terra como agentes do Reino de Deus, agindo como sal da terra e luz do mundo.

O desafio do cristianismo frente a esta sociedade de Consumo

Hoje, vivemos numa sociedade de consumo, antes dela o que tínhamos era uma sociedade de produção, onde se exigia muita abnegação e renúncia em prol da produção e também da construção da própria felicidade, realização e prazer que eram adiados para um tempo futuro ou de aposentadoria. Foi a aquela sociedade que Freud se reportou. Mas na tentativa de combater um extremo de repressão, acabamos mergulhando num extremo oposto, num mundo do "não se reprima!", "experimenta!", "No limit!"... Portanto, na sociedade atual de consumo, o que predomina é o individualismo e o hedonismo. Não existe disposição para se adiar nada. Os próprios pais procuram satisfazer todos os desejos dos filhos, que acabam não aprendendo a lidar com frustrações e "nãos". As propagandas, que são o pulmão deste sistema, criam novas "necessidades" e nos falam de uma vida plena de satisfação imediata, tipo êxtase proporcionado pelas drogas. Só que isto é utópico para a maioria das pessoas que estão excluídas dos bens de consumo. Tal frustração, incrementada pelo grande contraste entre a realidade e o sonho, só faz é escancarar ainda mais a porta para o alcoolismo e para o mundo das drogas. As drogas parecem, em algum sentido, ainda que por pouco tempo, proporcionar a sensação de prazer tão valorizada por esta sociedade de consumo. O incremento da violência também é uma outra decorrência! Esta visão tão colorida da vida, que pouco tem a ver com a realidade da grande maioria das pessoas, acaba fomentando ainda mais inveja, cobiça e frustração, não apenas pela ausência do básico, mas, agora, também pela ausência do supérfluo que nos é apresentado como sendo indispensável para a sensação de bem-estar. Temos também que, em nome da felicidade individual e também fascinado pela "grama do vizinho que parece mais verde que a nossa", impaciente e frustrado com as naturais crises do casamento, o indivíduo, está cada dia menos disposto a pagar um preço de renúncia em prol da sobrevivência da relação, e, não tendo disposição de suportar frustração, a curto prazo, para conquistar realização a médio e longo prazo, acaba optando pelo caminho aparentemente mais fácil e de recompensa mais imediata ainda que isto possa lhe custar sua felicidade futura.

Teologia da Prosperidade é produto da sociedade de consumo


A teologia da prosperidade é produto desta sociedade de consumo, prometendo conceder através da fé tudo aquilo que as propagandas dizem que uma pessoa precisa ter para ser feliz. Tal teologia tem domesticado o texto bíblico a fim de adequá-lo a mentalidade consumista, numa tentativa de validar o acumulo de riquezas, o que tem levado muitos crentes a se acomodarem e se amoldarem a este mundo, contrariando os rogos do Aposto Paulo (Rm 12.1-2). Assim sendo, muitas igrejas, em vez de serem um termostato, acabam sucumbindo e se tornam apenas um termômetro que reflete e se ajusta ao clima, só mostrando o clima, mas não influenciando e transformando o clima. Esta teologia faz da fé uma varinha de condão e, do nome de Jesus, uma espécie de abracadabra ou lâmpada de Aladin para a realização de todos os sonhos despertados pela sociedade de consumo. Alguns pastores sucumbem aos encantos do sucesso e, buscando se tornarem celebridades, acabam entrando no espírito deste mundo consumista. Passam a pregar uma mensagem triunfalista e adocicada que esconde o preço do discipulado, nada falando sobre a necessidade da negação de si mesmo e de se carregar cada um a sua própria cruz, nada dizendo também sobre a graça de padecermos por Cristo. Usam Deus e a Bíblia como justificativa e meio para satisfação da ganância humana. Pregadores da teologia da prosperidade estão como que dizendo que tudo está bem e que o sistema é magnífico e que os outros podem também vir a serem ricos como eles. Nada de novo nisto, pois Miquéias 7.2-4 mostra que a injustiça estava institucionalizada e permeava toda a sociedade incluindo os falsos sacerdotes e profetas que, já em sua época, visavam buscar riqueza para si mesmos.

Numa perspectiva bíblica é possível enxergar a pobreza dos ricos, que ainda que sejam ricos para si mesmos, são pobres para com Deus e para com os demais seres humanos. Tal pobreza do rico alimenta a pobreza do pobre.v

Hoje, os pastores da teologia da prosperidade, com a promessa de prosperidade e saúde sempre em nome da fé, entram numa competição desenfreada em busca de adeptos ou “consumidores”, chegando a apelar para novidades e “promoções” a fim de atrair o povo. Por falar no povo, é ele a grande vítima de todo este complexo sistema de nossa sociedade consumista, que acabou até seduzindo parte da Igreja evangélica. Diante da grande mentira de que o prazer, o sucesso e o bem-estar físico, econômico e social são o grande alvo da vida e que tudo isto está acessível a todos, iludido, o povo busca no consumo a realização imediata deste ideal, mas, quase sempre, tem que lidar com a realidade de uma vida de privações, injustiça, lutas e muitos sofrimentos. Frustrado, desamparado e só está o “freguês”, sentindo-se fracassado e oprimido pela ditadura do ter. Agora, nem na Igreja encontra respostas para a sua dor, mas apenas ainda mais culpa por não ter tido fé suficiente para ter sido bem sucedido na vida profissional ou para ter sido curado de algum mal.

A espiritualidade cristã não pode ser confundida com prosperidade financeira, nem com sucesso e nem com saúde. Pois, fosse este o caso, não poderíamos considerar nem a Jesus e nem os apóstolos como homens espirituais, visto que eram pobres, ficavam doentes, passaram muitas necessidades, sofreram perseguições, foram presos, desprezados pelo mundo e foram martirizados. Jesus mesmo disse que não tinha onde reclinar a cabeça (Mt 8.20) e não tinha dinheiro sequer para pagar o imposto, tendo que solicitar a Pedro que pescasse um peixe que teria uma moeda dentro de si que serviria para pagar esta divida (Mt 17.24-27), pois sabemos que Jesus, sendo rico se fez pobre (2 Co 8.9). Pedro e João disseram claramente que não possuíam ouro nem prata (At 3.6). Paulo experimentou período de pobreza (Fp 4.11, 2 Co 6.10, Tg 2.5). Comunidades inteiras de cristãos do Novo Testamento eram muito pobres (2 Co 8.2, Rm 15.26, Ap 2.9). A própria Maria, entre todas as mulheres a mais agraciada, não teve um lugar descente para dar a luz ao seu Filho bendito. Todas as portas se fecharam e apenas a porta do curral foi a que se abriu para ela e para José seu esposo. Ela não ficou murmurando e nem ficou rejeitando aquele lugar fétido e incipiente. Ela não ficou ali inconformada reivindicando um lugar condizente a sua condição de bendita entre todas as mulheres. Ela, pelo contrário, aceitou a sua própria cruz, acolheu a bendita graça de padecer por Cristo e não de somente crer nele (Fp 1.13). Foi naquele curral e naquela manjedoura improvisada de berço que se fez Natal. A noite mais feliz da história humana! Eis aí mais um exemplo do privilégio de participar dos sofrimentos de Cristo e completar o que falta de suas aflições (Colossenses 1:24). Perguntaram a William Booth, fundador do Exército de Salvação, qual era o segredo do seu sucesso, ele respondeu: "Deus teve de mim tudo o que Ele quis". Infelizmente os evangélicos seduzidos pelo consumismo têm feito o contrário: exigem de Deus tudo o que eles querem.

iMyers, Bryant L. Caminar con Los Pobres. Manual teórico-prático de desarrollo transformador. Buenos Aires: Kairós. 2002. P.51

iiMyers, Bryant L. Caminar con Los Pobres. Manual teórico-prático de desarrollo transformador. Buenos Aires: Kairós. 2002. P.52.

iiiPadilla, C. R. Missão Integral, São Paulo, FTL-B/Temática, 1992. 209 pp.

ivIbid.

vMyers, Bryant L. Caminar con Los Pobres. Manual teórico-prático de desarrollo transformador. Buenos Aires: Kairós. 2002. P.59.

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