sexta-feira, 6 de junho de 2025

O Dom de Profecia: Perspectivas Católicas, Reformadas, Batistas, Metodistas e Pentecostais

 O Dom de Profecia: Perspectivas Católicas, Reformadas, Batistas, Metodistas e Pentecostais

Por Bispo Ildo Mello

Introdução

O dom de profecia, central no Novo Testamento, é apresentado como instrumento para edificação, exortação e consolação da igreja (1Co 14.3). Seu entendimento e prática variam entre as principais tradições cristãs. A seguir, traça-se um panorama histórico-teológico, começando pela tradição católica, passando pela reformada/cessacionista, batista, metodista e pentecostal.


1. Perspectiva Católica Romana

A Igreja Católica ensina que a Revelação pública se encerrou com a morte do último apóstolo, conforme o Catecismo da Igreja Católica (§§66-67). Profecias posteriores são denominadas “revelações privadas”, as quais “não podem aperfeiçoar ou corrigir” o depósito da fé e não obrigam o fiel à sua aceitação (§67). O discernimento dessas experiências cabe ao magistério e à autoridade episcopal. O Concílio Vaticano II (Lumen gentium 12) reconhece que o Espírito distribui carismas úteis à Igreja, sempre sob discernimento e submissão ao magistério. A carta Iuvenescit Ecclesia (2016) destaca a “co-essencialidade” entre dons hierárquicos e carismáticos. Tomás de Aquino define profecia como “ciência recebida sobrenaturalmente para benefício da Igreja” (S.Th. II-II, q.171-174), admitindo previsões futuras, mas sempre condicionadas à soberania divina.


2. Perspectiva Reformada/Cessacionista

A tradição reformada clássica sustenta que os dons revelacionais, como profecia, cessaram com o fechamento do cânon e o fim da era apostólica. Os principais argumentos são:

  • Cessação com o “perfeito”: 1Co 13.8-10 é interpretado como referência ao fechamento do cânon ou à maturidade da igreja (Gaffin, 1979; MacArthur, 2013).
  • Função fundacional de apóstolos e profetas: Ef 2.20 fundamenta a ideia de que, após o estabelecimento do fundamento apostólico, não há mais necessidade de profetas inspiracionais (Warfield, Counterfeit Miracles, 1918).
  • Suficiência das Escrituras: 2Tm 3.16-17 é visto como suficiente para toda doutrina e prática, tornando desnecessárias novas revelações carismáticas.

Cessacionistas admitem que Deus guia e fala hoje por meio da pregação fiel e aplicação das Escrituras, mas rejeitam revelações extra-canônicas como normativas para a fé.


3. Posição Batista

Entre os batistas, há diversidade significativa. Muitos batistas históricos e tradicionais tendem ao cessacionismo moderado, alinhando-se à tradição reformada quanto à função fundacional de apóstolos e profetas (Ef 2.20) e à suficiência das Escrituras (2Tm 3.16-17). No entanto, o Baptist Faith & Message 2000 (BFM 2000), principal declaração doutrinária batista, não faz afirmação explícita sobre cessação ou continuidade dos dons, permitindo diversidade de prática congregacional. Assim, existem igrejas batistas que aceitam a possibilidade de manifestações carismáticas, enquanto outras as rejeitam. Em todos os casos, qualquer alegação de profecia é julgada à luz da Escritura e da comunidade, e não pode contradizer o ensino bíblico.


4. Perspectiva Metodista

A tradição Wesleyana, marcada pelo legado de John Wesley e pelo movimento de santidade, valoriza a atuação do Espírito Santo e reconhece a atualidade dos dons espirituais, incluindo a profecia, desde que praticados com discernimento, humildade e fidelidade bíblica. O metodismo oferece orientações pastorais claras e equilibradas para o uso do dom de profecia, que podem ser resumidas nos seguintes princípios:

  • Inspirando-se em textos como Mateus 7:15-20, Deuteronômio 13:1-5 e Jeremias 23:16-17, a tradição metodista alerta para a necessidade de discernimento, avaliando profetas e profecias pelos frutos de sua vida, fidelidade à Palavra e impacto sobre a comunidade.
  • Os dons espirituais são reconhecidos como presentes do Espírito, mas não são sinônimo de maturidade. A igreja de Corinto, embora rica em dons, foi chamada de carnal por Paulo (1Co 3:1). O amor e o fruto do Espírito (Gl 5:22-23) são critérios essenciais para avaliar a autenticidade de qualquer manifestação profética. John Wesley, em seu sermão “A Natureza do Entusiasmo”, enfatiza a importância de distinguir entre a verdadeira inspiração do Espírito e impressões subjetivas, recomendando o uso da razão, experiência e Escritura no discernimento.
  • Toda profecia deve ser submetida à Palavra de Deus (2Tm 3:16; Is 8:20) e ao discernimento da liderança espiritual da igreja (Hb 13:17; 1Co 14:29-40), que é responsável por garantir ordem, decência e autenticidade das manifestações carismáticas.
  • Integridade, humildade e santidade de vida (Ef 4:22-24) são requisitos para quem exerce o dom de profecia.
  • Profecias verdadeiras glorificam a Deus, edificam e fortalecem a fé da comunidade (1Co 14:3).
  • O metodismo valoriza o dom de discernimento de espíritos (1Jo 4:1-3; At 17:11; 1Co 12:10), incentivando a igreja a examinar cuidadosamente toda profecia, rejeitando o erro e acolhendo o que é bom.
  • A busca por santidade e vida de oração (1Pe 1:15-16) é vista como essencial para quem deseja operar no dom de profecia.
  • A liderança pastoral deve ensinar que o dom de profecia é importante, mas evitar que profetas recebam importância indevida, prevenindo abusos e personalismos (1Co 14:1, 5, 24, 31, 39).
  • O propósito do dom de profecia é edificar, exortar e consolar, promovendo unidade, amor e fruto do Espírito (1Co 14:3-4, 12).
  • Wesley via a rarefação dos dons na igreja como resultado da frieza espiritual, não como cessação definitiva do Espírito.
  • Assim, a igreja metodista busca uma prática equilibrada, bíblica e edificante do dom de profecia, aliando abertura ao sobrenatural com responsabilidade pastoral e submissão à Palavra.


5. Perspectiva Pentecostal

O pentecostalismo, surgido no início do século XX em contexto metodista de santidade, defende a continuidade de todos os dons espirituais, incluindo a profecia, como manifestações atuais do Espírito Santo para edificação da igreja. Entre os pentecostais:

  • Natureza dinâmica: A profecia é vista como comunicação sobrenatural, sujeita ao discernimento comunitário e nunca pode contradizer as Escrituras.
  • Função de Edificação: O dom visa encorajar, edificar e consolar a igreja, não para manipular decisões pessoais ou prever catástrofes.
  • Rejeição de abusos: Profecias que promovem medo, manipulação ou contradição à Bíblia são rejeitadas.


6. Fundamentos Bíblicos do Dom de Profecia

No Antigo Testamento, profetas falavam com autoridade infalível (“assim diz o Senhor”), e o erro era punido com morte (Dt 18.20-22; Jr 1.4-9). No Novo Testamento, a autoridade normativa da revelação é transferida aos apóstolos (Ef 2.20). A profecia neotestamentária visa edificação, exortação e consolação (1Co 14.3) e deve ser julgada pela comunidade (1Co 14.29). Wayne Grudem distingue a profecia do NT como “não canônica”, sujeita a erro humano e avaliação (Grudem, 2020).


7. Profecia x Revelação

No contexto bíblico, revelação (apokalypsis) refere-se ao ato divino de tornar algo oculto conhecido ao ser humano; profecia, por sua vez, é o relato humano dessa revelação, comunicando à igreja aquilo que Deus manifestou pelo Espírito. Nem toda revelação envolve previsão de eventos futuros: em 1 Coríntios 14, Paulo destaca que a profecia pode expor os segredos do coração dos ouvintes, de modo que até mesmo um incrédulo, ao ouvir a profecia, terá seus pensamentos revelados e reconhecerá a presença de Deus entre os fiéis (1Co 14.24-25). Assim, a profecia atua não apenas como anúncio do futuro, mas também como instrumento de discernimento espiritual e de confrontação pessoal, promovendo convicção, edificação e adoração comunitária.


8. Profecia, Revelação e Previsão do Futuro

  • Profecia x Revelação: Revelação é o ato divino de tornar algo conhecido; profecia é o relato humano dessa revelação. Nem toda revelação envolve previsão de eventos futuros.
  • Previsão futura no NT: Exemplos incluem Ágabo prevendo fome (At 11.28) e a prisão de Paulo (At 21.10-11).
  • Condicionalidade: Muitas previsões são condicionais, como em Jonas 3.4 e Atos 27.24-32.
  • Critérios de teste: Fidelidade doutrinária (Dt 13.1-5), fruto moral e cumprimento literal quando se trata de previsão específica.


9. Princípios Pastorais para Hoje

  • Discernimento e vigilância: Seguindo o exemplo metodista, é fundamental advertir contra falsos profetas, julgar profecias à luz da Escritura e avaliar os frutos na vida do profeta (Mt 7:15-20; 1Jo 4:1-3; At 17:11).
  • Submissão à Escritura: A Bíblia é a única regra infalível de fé e prática (2Tm 3.16-17).
  • Julgamento comunitário: Profecias devem ser avaliadas pelo presbitério e pela igreja (1Co 14.29).
  • Propósito edificativo: Toda manifestação visa fortalecer, consolar e exortar (1Co 14.3).
  • Humildade e prudência: Reconhecer a limitação humana e evitar linguagem que iguale profecia à Escritura.
  • Ordem e responsabilidade: “Tudo com decência e ordem” (1Co 14.40); abusos devem ser corrigidos.
  • Santidade e oração: A busca por santidade e vida de oração é essencial para quem deseja operar no dom de profecia (1Pe 1:15-16).


10. Conclusão

  • Apesar das diferenças, católicos, reformados, batistas, metodistas e pentecostais concordam que a Bíblia é o critério supremo e que a profecia, quando legítima, aponta para Cristo e edifica a igreja. Compreender as nuances históricas e teológicas de cada tradição, e adotar princípios pastorais como os destacados pelo metodismo, promove um uso equilibrado, humilde e responsável dos dons espirituais.



Referências Bibliográficas Essenciais

  • ARRINGTON, F. L.; STRONSTAD, R. (eds.). Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento. 2 v. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
  • BÍBLIA SAGRADA. Almeida Revista e Atualizada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
  • GAFFIN, R. B. Perspectives on Pentecost. Phillipsburg: P&R, 1979.
  • GRUDEM, W. O Dom de Profecia no Novo Testamento e Hoje. 3. ed. Natal: Carisma, 2020.
  • MACARTHUR, J. Strange Fire. Nashville: Thomas Nelson, 2013.
  • CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000. §§66-67.
  • CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium 12.
  • CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Iuvenescit Ecclesia, 2016.
  • AQUINO, T. Summa Theologiae II-II, q.171-174. Disponível em: newadvent.org.
  • WESLEY, J. Sermões. CD-ROM. São Paulo: Editeo, 2006.
  • WARFIELD, B. B. Counterfeit Miracles. New York: Charles Scribner’s Sons, 1918.
  • MELLO, José Ildo Swartele de. Orientações para o Uso do Dom de Profecia. 2023. https://escatologiacrista.blogspot.com/2023/09/orientacoes-para-o-uso-do-dom-de.html

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