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A Teologia dos Sonhos Terrenos versus a Verdadeira Esperança em Cristo

A Teologia dos Sonhos Terrenos versus a Verdadeira Esperança em Cristo

Bispo Ildo Mello
Atualmente, pregadores da teologia da prosperidade proferem frases polêmicas que afirmam que tudo o que sonhamos, tocamos e sentimos será realizado, pois vem de Deus. Essa mensagem, com seu apelo imediato e atraente, conquista multidões que desejam ver a materialização dos seus sonhos. Contudo, essa abordagem contrasta com o ensinamento central do Evangelho, que é a autonegação, a fidelidade à Palavra e a busca por uma pátria que não é deste mundo (Filipenses 3:20; 1 Pedro 2:11).
 

1. O Apelo das Promessas de Prosperidade

Muitos pregam que a abundância material e a realização dos sonhos pessoais são sinais inequívocos da bênção divina. Essa visão, exemplificada em frases que exaltam a materialidade e o sucesso imediato, atrai a atenção de uma multidão sedenta por milagres palpáveis – como na multiplicação dos pães e peixes (João 6:1–14) –, satisfazendo necessidades momentâneas.
Entretanto, essa proposta ignora o fato de que somos peregrinos na terra (1 Pedro 2:11; Hebreus 11:13). A realidade da caminhada cristã consiste em viver como estrangeiros e peregrinos, aguardando uma pátria celestial (Hebreus 11:16). Fica a reflexão: se o clássico “O Peregrino”, de John Bunyan — o segundo livro mais lido no mundo depois da Bíblia — fosse escrito em nossos dias, será que teria o mesmo impacto?

2. A Advertência de Paulo para os Últimos Dias

O apóstolo Paulo já alertava sobre tempos em que os fiéis se afastariam da sã doutrina, preferindo ouvir doutrinas que agradassem aos ouvidos. Em 2 Timóteo 4:1-5, ele declara:
4:1 Diante de Deus e de Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu Reino, peço a você com insistência
4:2 que pregue a palavra, insista, quer seja oportuno, quer não, corrija, repreenda, exorte com toda a paciência e doutrina.
4:3 Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, se rodearão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos.
4:4 Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas.
4:5 Mas você seja sóbrio em todas as coisas, suporte as aflições, faça o trabalho de um evangelista, cumpra plenamente o seu ministério.
Essa advertência enfatiza como muitos se cercarão de mestres que pregam conforme as suas próprias concupiscências (2 Timóteo 4:3). Ao ofertar a realização imediata dos sonhos, a teologia da prosperidade seduz o crente, fazendo-o esquecer o chamado para negar a si mesmo e tomar a cruz (Mateus 16:24), um mandamento central de Jesus.

3. João 6: Do Milagre dos Pães ao Pão da Vida

O relato em João 6 ilustra com clareza essa tensão. Quando Jesus multiplicou os pães e peixes (João 6:1–14), a multidão se maravilhou e seguiu-O na expectativa de benefícios materiais. Porém, ao falar do “pão da vida” (João 6:35) – da verdadeira fonte de sustento eterno – muitos se desanimaram e se afastaram, pois seu interesse era apenas o pão que perece (João 6:26).
Somente os doze apóstolos permaneceram (João 6:66–69), demonstrando que a verdadeira fé não se fundamenta na realização de sonhos terrenos, mas na disposição de seguir o Cristo que é o único que realmente garante a vida eterna.

4. O Exemplo de Moisés e a Realidade dos Sonhos

A história de Moisés nos ensina que sonhar e até contemplar a realização de um desejo não garante a posse final desse sonho. Moisés sonhou com a Terra Prometida e chegou a vê-la de longe (Deuteronômio 34:1–4), mas jamais pôde entrar nela. Essa narrativa revela que, mesmo quando um sonho tem origem divina, sua concretização plena está condicionada à obediência e à fidelidade ao propósito de Deus.

5. Advertências Contra os Desejos Carnais e a Soberba

As Escrituras advertem fortemente contra a exaltação dos desejos humanos desordenados. Em 1 João 2:16 lemos: “Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida – não é do Pai, mas do mundo.”

Além disso, outros textos nos orientam:
  • 1João 2:15–17: Adverte para que não amemos o mundo e suas coisas passageiras.
  • Colossenses 3:5: Exorta a mortificar os membros da natureza terrena.
  • Romanos 13:14: Chama para vivermos de forma decente, deixando para trás as obras das trevas.
  • Provérbios 14:12: “Há caminho que ao homem parece direito, mas o seu fim conduz à morte.”
  • Romanos 12:1-2: Exorta a não nos conformarmos com este mundo.
  • Mateus 6:33: Instrui-nos a priorizar o Reino de Deus em vez de colocar nossas necessidades e ambições em primeiro lugar.
  • Colossenses 3:1-2: “Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive […] Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra.”
  • 1 Pedro 2:11: "Amados, peço que, como peregrinos e forasteiros que vocês são, se abstenham das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma."
  • 2 Coríntios 4:18: “Não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas.”
Tais passagens reforçam que o apelo aos sonhos terrenos, sem a devida submissão à vontade divina, conduz ao desvio do propósito eterno.

6. O Chamado à Autonegação e o Exemplo de Cristo

Em vez de estimular a afirmação de sonhos e ambições terrenas, Jesus conclama Seus seguidores à autonegação, conforme Mateus 16:24:Mateus 16:24:
“Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me.”
Essa mensagem é reafirmada em outras palavras:
• Saiba que o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça (Lucas 9:58), o que ilustra a real condição do nosso Salvador, que não se apoia nas comodidades deste mundo.
• Em Filipenses 1:29 aprendemos que “não nos foi dada a graça de crer somente, mas de padecer por Cristo.” A fé autêntica se manifesta não somente na crença, mas no compromisso de suportar as dificuldades em nome de Cristo.
• “Digo isto, não porque esteja necessitado, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Sei o que é passar necessidade e sei também o que é ter em abundância; aprendi o segredo de toda e qualquer circunstância, tanto de estar alimentado como de ter fome, tanto de ter em abundância como de passar necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece.” (Filipenses 4:11–13, NAA)
Além disso, o alerta de que “se esperamos em Cristo somente para esta vida, somos os mais miseráveis dentre todos os homens” (1 Coríntios 15:19) reforça que a esperança do crente deve estar voltada para a vida eterna e não para as satisfações passageiras deste mundo. Afinal, de que vale ao homem ganhar o mundo todo e perder a sua alma? (Mateus 16:26)

7. As Três Tentações de Cristo e a Teologia da Prosperidade

Ao ser tentado no deserto, Jesus enfrentou três propostas tentadoras que, de certa forma, refletem os mesmos apelos da teologia da prosperidade (Mateus 4:1–11; Lucas 4:1–13):
1. Transformar pedras em pães: uma promessa de satisfação material imediata.
2. Atirar-se do pináculo e ser salvo pelos anjos: a tentação do poder e da glória terrena.
3. Adorar Satanás em troca de todos os reinos do mundo: a oferta de domínio e sucesso terreno.
Cada uma dessas tentações revela que os desejos humanos podem se desviar do propósito divino. Jesus, ao resistir (Mateus 4:4, 7, 10), demonstrou que a verdadeira realização não se encontra na abundância material, mas na fidelidade à vontade de Deus.

8. Pedro e o Espírito da Teologia da Prosperidade

Em Marcos 8:31–33, Pedro parece encarnar o mesmo espírito da teologia da prosperidade e da “confissão positiva” ao ousar repreender Jesus, como se dissesse: “Vira essa boca para lá!” ou “Tá amarrado!” quando o Mestre anuncia que precisaria morrer na cruz. Para Pedro, o foco era apenas glória e vitória sobre qualquer inimigo terreno. No entanto, Jesus o corrigiu com firmeza, dizendo: “Arreda, Satanás, porque não pensas nas coisas de Deus, mas nas dos homens.” (Marcos 8:33)

9. A Contentamento em Toda Circunstância

O apóstolo Paulo, em sua jornada, aprendeu a estar contente em toda situação, afirmando em Filipenses 4:11–13que “tudo posso naquele que me fortalece.” Esse ensinamento nos recorda que, mesmo passando por privações, o crente pode encontrar satisfação em Cristo – não por meio da realização de sonhos terrenos, mas na confiança de que o Senhor sustenta e capacita para enfrentar todas as circunstâncias.

10. Hebreus 11: A Pátria Celestial dos Heróis da Fé

O capítulo 11 de Hebreus nos apresenta um catálogo de heróis da fé que, mesmo sofrendo intensamente, mantiveram seus olhos fixos na pátria celestial (Hebreus 11:13–16). Eles sofreram e perseveraram, não em busca de uma terra terrena, mas almejando a cidade que Deus preparou (Hebreus 11:10). Eles não alcançaram a realização plena terrena, mas morreram em esperança, aguardando o cumprimento da promessa em termos de uma pátria celestial e não terrena e perecível.
Essa visão contrasta radicalmente com a escatologia realizada pela teologia da prosperidade, que ignora o “ainda não” – a esperança de um futuro eterno – e se fixa apenas no aqui e agora.


11. Conclusão

Ao confrontarmos a teologia dos sonhos terrenos com a mensagem do Evangelho, percebemos que a ênfase na realização imediata dos desejos desvia o crente do verdadeiro propósito de viver em conformidade com a vontade de Deus. Enquanto a teologia da prosperidade seduz com promessas de abundância material e saúde plena numa espécie de escatologia já realizada, os ensinamentos de Paulo, os registros de João 6, as advertências de 1 João, Colossenses, Romanos, Provérbios, e os exemplos de Moisés e dos heróis da fé em Hebreus nos direcionam a uma vida de autonegação e esperança na pátria celestial (Hebreus 11:13–16).
Somos peregrinos nesta terra (1 Pedro 2:11; Hebreus 11:13), e nosso verdadeiro chamado é negar a nós mesmos, tomar a cruz e seguir a Cristo (Mateus 16:24), que, mesmo sem ter onde reclinar a cabeça (Lucas 9:58), nos oferece a graça não só de crer, mas de padecer por Sua causa (Filipenses 1:29). Que possamos aprender a estar contentes em todas as circunstâncias, confiando naquele que nos fortalece (Filipenses 4:13), e manter o foco na promessa de uma vida eterna – pois, ao final, de que vale ganhar o mundo se perdemos a nossa alma? (Mateus 16:26)
Que o “pão da vida” (João 6:35) alimente nossa fé e nos direcione para a verdadeira realização que vem somente de Deus.

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