Batismo Infantil
“Deixai vir a mim os pequeninos!”
“Quanto a todas as opiniões que não danificam as raízes do cristianismo, nós pensamos e deixamos pensar.” — John Wesley
“No essencial, unidade; no não essencial, liberdade; em tudo, caridade.” — Frase tradicional, comumente atribuída a Agostinho; difundida por Rupertus Meldenius (1626).
Por Bispo José Ildo Swartele de Mello
Por que privar as crianças do batismo?
O batismo é o sinal da nova aliança da graça, assim como a circuncisão foi o sinal da antiga aliança. Se cremos que as crianças estão incluídas na redenção, faz sentido permitir que sejam batizadas a pedido dos pais ou tutores, que se comprometem a oferecer a elas uma formação cristã adequada. Mais tarde, quando chegarem à idade de compreender sua fé, essas crianças batizadas deverão reafirmar o voto do batismo por elas mesmas.
Vale lembrar que o batismo não é, em primeiro lugar, um sinal do arrependimento e da fé de quem o recebe, mas da aliança e da obra de salvação de Cristo, realizada na Cruz. Essa obra vicária precisa ser anunciada a todos, e o sinal (e selo) do batismo pode ser estendido não apenas àqueles que já responderam positivamente a ela, mas também aos filhos desses crentes, que estão sendo criados num ambiente cristão e aprendendo sobre o que Deus realizou de uma vez por todas em Cristo — algo totalmente suficiente.
O batismo simboliza também a ação regeneradora do Espírito Santo (Tt 3.5). O Espírito é soberano (Jo 3.8) e muitas vezes atua antes mesmo de percebermos, sem depender, necessariamente, de nossa compreensão daquele momento. Afinal, o Espírito convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8) e não despreza a mente dos pequeninos. João Batista, por exemplo, foi movido pelo Espírito ainda no ventre de Isabel, quando ela foi visitada por Maria, grávida de Jesus: “Ao ouvir a saudação de Maria, a criança se agitou no ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (Lc 1.41).
Jesus ensinou que até mesmo as criancinhas, inclusive as que ainda mamam, podem oferecer um louvor perfeito a Deus: “Ouves o que estes estão dizendo? Respondeu-lhes Jesus: Sim; nunca lestes: Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor?” (Mt 21.16).
Fundamentos Bíblicos: O Princípio da Inclusão Pactual
A base bíblica para o Batismo Infantil reside no princípio da continuidade da Aliança da Graça, que sempre incluiu os filhos na comunidade da fé. O Novo Testamento mantém e aperfeiçoa essa lógica, não a revoga.
O Padrão Pactual: Família e Sinal
A história da salvação mostra que Deus lida consistentemente com famílias inteiras, e não apenas com indivíduos isolados, marcando-as com o sinal de Sua aliança:
- Circuncisão e Batismo: No Antigo Testamento, a circuncisão (Gn 17.11) foi dada a Abraão como selo da justiça da fé (Rm 4.11) e foi aplicada aos infantes. O batismo cristão é o correspondente desse sinal na Nova Aliança, sendo chamado por Paulo de "circuncisão de Cristo" (Cl 2.11–12), sustentando a lógica de continuidade da pertença ao povo de Deus.
- Prefigurações Coletivas: As prefigurações do batismo no AT envolveram o povo em comunidade:
- Noé e toda a sua casa foram salvos pela arca (1Pe 3.20-21).
- Todo Israel, incluindo crianças, foi "batizado em Moisés" ao passar pelo Mar Vermelho (1Co 10.1–2), um grande ato de redenção que antecipa o batismo.
- O sangue foi aspergido sobre todo o povo, incluindo crianças (Hb 9.19) na ratificação da aliança.
- Compromisso Familiar: A aliança mosaica convocava adultos e "vossos meninos" a estarem diante de Deus (Dt 29.10–12). O ideal da fé doméstica é expresso na confissão de Josué: "Eu e a minha casa serviremos ao Senhor"(Js 24.15).
O Sinal de Proteção na Páscoa
O episódio da Páscoa no Êxodo reforça a importância do sinal da aliança para a proteção familiar. A obediência dos pais em aspergir o sangue do cordeiro nos umbrais das portas garantiu a salvação dos seus primogênitos. Isso demonstra que a fé e a obediência dos pais a um mandamento de Deus inserem os filhos no âmbito da proteção divina, enfatizando que o batismo é um selo da promessa de Deus e não um rito meramente simbólico.
A Inclusão na Nova Aliança
A Nova Aliança, sendo superior, não restringe, mas confirma a inclusão dos filhos, dando-lhes o sinal do batismo:
· Promessa para os Filhos: Pedro declara explicitamente que a promessa do Espírito e da aliança é "para vós e para os vossos filhos" (At 2.38–39).
· Filhos "Santos": Paulo ensina que os filhos de pelo menos um dos pais crentes são "santos" (1Co 7.14), ou seja, separados e pertencentes ao povo visível da aliança, e por isso têm direito ao sinal.
· Batismos de Famílias: O registro de batismos de casas inteiras — Lídia (At 16.15), o carcereiro de Filipos (At 16.32–33), Crispo (At 18.8) e Estéfanas (1Co 1.16) — coaduna-se com o princípio pactual familiar. A salvação, muitas vezes, é declarada à "casa", como no caso de Zaqueu (Lc 19.9) ou do carcereiro (At 16.31).
· O Exemplo de Jesus: Jesus não apenas acolhe as crianças, mas as coloca no centro do Seu Reino. Traziam-Lhe "bebês/infantes" (), e Ele os abençoou, afirmando que "dos tais é o Reino de Deus" (Lc 18.15–17). Ele ainda atesta o "perfeito louvor" que sai da boca dos pequeninos (Mt 21.16), e João Batista foi cheio do Espírito Santo ainda no ventre (Lc 1.41), confirmando que a ação regeneradora do Espírito não depende da plena consciência.
· Bênçãos Pela Fé dos Pais: O Novo Testamento reforça o princípio de que a fé dos pais opera em favor dos filhos, como nos exemplos de curas e ressurreições (filha de Jairo, filho epilético, filho da viúva de Naim, filho do oficial de Cafarnaum).
A misericórdia do Senhor se estende "sobre os filhos dos filhos" (Sl 103.17), estabelecendo um padrão de graça que se manifesta, na Nova Aliança, através do sinal do Batismo.
Testemunho da Igreja antiga
Os primeiros testemunhos explícitos de batismo de crianças aparecem no início do séc. III. 1) Tradição Apostólica (c. 215): “as crianças serão batizadas primeiro… as que não puderem responder, que os pais respondam por elas”. 2) Tertuliano (De bapt. 18): reconhece a prática, mas recomenda adiar por cautela pastoral — o que atesta sua existência. 3) Orígenes: a Igreja recebeu dos apóstolos a tradição de batizar também os recém-nascidos (Hom. Lev. 8.3; Com. Rm. 5.9). 4) Cipriano e o Sínodo (253): decide não esperar o 8º dia; batizar o quanto antes. 5) Concílio de Cartago (418): canoneia que os infantes são batizados para remissão dos pecados.3 4 5 6 7
Nota sobre o modo: a Didaquê (7.1–3) prevê imersão preferencial, e, quando não possível, derramar água três vezes sobre a cabeça em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo — legitimando a efusão/aspersão.8
Tradição Protestante
É importante lembrar que Lutero, Calvino e Zwinglio — os três grandes reformadores — jamais foram rebatizados. Todos foram batizados ainda na infância e rejeitaram firmemente a ideia do rebatismo, considerando-a uma negação da eficácia da graça divina e do caráter único do batismo cristão.
Esses líderes, embora divergentes em diversos pontos teológicos, concordaram quanto à legitimidade e à necessidade do batismo infantil, por o entenderem como sinal da aliança e meio de graça.
Martinho Lutero, em sua Catequese Maior, descreve o batismo como um ato em que Deus age objetivamente, selando sua promessa, independentemente da idade do batizando.
João Calvino, nas Institutas (4.16), fundamenta o batismo infantil no argumento pactual: assim como os filhos eram incluídos na aliança através da circuncisão, devem agora ser incluídos por meio do batismo, o sinal da nova aliança.
Ulrico Zwinglio também reconheceu o batismo de crianças como sinal de pertencimento ao povo de Deus, em continuidade com a fé do Antigo Testamento.
Essa mesma compreensão foi herdada pelas principais confissões da Reforma:
O Catecismo de Heidelberg (Pergunta 74) declara que as crianças “devem ser batizadas, porque pertencem à aliança e ao povo de Deus”.
Os 39 Artigos da Religião da Igreja Anglicana (Artigo 27) afirmam que “o batismo de crianças deve ser de todo retido na Igreja, como inteiramente conforme à instituição de Cristo”.
John Wesley, seguindo essa tradição reformada e católica antiga, considerava o batismo um sacramento iniciatório e meio de graça, pelo qual a criança é recebida na comunidade da fé e colocada sob a influência santificadora do Espírito Santo.
Assim, tanto os reformadores do século XVI quanto os movimentos posteriores — luteranos, reformados, anglicanos e metodistas — mantiveram o batismo infantil como prática legítima e bíblica, rejeitando qualquer rebatismo como desnecessário e contrário ao princípio de “um só batismo” (Ef 4.5). 9 10 11 12
Respostas às objeções
“Mas não há mandamento explícito para batizar bebês.”
De fato, não há um mandamento direto dizendo: “batizai também os vossos filhos pequenos.” No entanto, também não há mandamento para excluí-los da Igreja visível — e isso, sim, representaria uma ruptura drástica com o Antigo Testamento, no qual os filhos dos crentes sempre fizeram parte do povo de Deus e recebiam o sinal da aliança (Gn 17.7–12).
O Novo Testamento nunca revoga esse princípio de inclusão; pelo contrário, o reafirma claramente: “A promessa é para vós e para vossos filhos” (At 2.39). A ausência de uma nova proibição não indica exclusão, mas continuidade da economia da graça. A Igreja do Novo Testamento é a mesma comunidade da aliança, agora ampliada e aperfeiçoada em Cristo.
“Mas o batismo requer arrependimento e fé.”
Textos como Mc 16.16, At 2.38 ou At 8.37 falam da primeira geração de convertidos, ou seja, adultos chamados pela primeira vez à fé cristã. Nesses casos, a conversão naturalmente precede o batismo. Contudo, quando o Evangelho alcança famílias inteiras, o padrão bíblico mostra casa e fé unidas (At 16.15, 33; 1Co 1.16), sem qualquer exclusão explícita das crianças.
A ordem teológica da graça é constante:
1. A graça de Deus precede (iniciativa divina);
2. O sinal do batismo marca a pertença à aliança;
3. A fé responde — no adulto, antes do batismo; na criança, depois, no contexto do discipulado e da educação cristã.
Essa lógica expressa a visão pactual: o batismo é sinal da entrada na aliança, assim como a circuncisão foi no antigo pacto (Cl 2.11–12). Deus age primeiro, e a resposta humana vem no tempo oportuno.
“Mas Jesus foi batizado adulto, e não bebê.”
É verdade, mas o batismo de Jesus não foi um batismo cristão. Ele foi batizado por João, num rito de arrependimento que antecedeu a cruz e a ressurreição. O batismo cristão, porém, é ministrado “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28.19) e representa a graça da Nova Aliança.
Além disso, o batismo de Jesus teve um propósito singular: inaugurar seu ministério messiânico e identificar-se com os pecadores. Não foi um modelo de idade para o batismo cristão. As crianças, por sua vez, são batizadas não por arrependimento pessoal, mas com base na promessa da graça que as insere no povo de Deus.
“Mas não há exemplo de batismo infantil no Novo Testamento.”
Também não há exemplo de exclusão das crianças. Pelo contrário, há fortes indícios de sua inclusão: expressões como “ele e toda a sua casa” (At 16.15, 33; 1Co 1.16) eram fórmulas familiares na cultura hebraica e greco-romana, abrangendo todos os membros do lar — inclusive filhos e servos.
Se no Antigo Testamento as crianças recebiam o sinal da aliança, seria impensável que uma aliança mais ampla e graciosa as deixasse de fora. A ausência de proibição e a clara continuidade pactual constituem forte evidência de que a prática do batismo infantil remonta aos tempos apostólicos.
Além disso, o testemunho patrístico confirma essa prática:
· Orígenes afirma que era uma tradição apostólica (Comentário sobre Romanos V.9).
· Cipriano de Cartago e o Concílio de Cartago (Epístola 64) endossam a prática.
Esse consenso histórico reforça a leitura bíblica da continuidade da aliança.
“Mas uma criança não pode ter fé.”
Nas Escrituras, a fé é antes de tudo um dom da graça (Ef 2.8). Deus pode agir no coração humano antes mesmo da plena consciência. João Batista “alegrou-se no ventre” (Lc 1.41), e Jesus declarou: “das crianças é o Reino de Deus” (Mc 10.14). A fé infantil é potencial, mas real, sustentada pela comunidade de fé que ora, ensina e conduz a criança ao amadurecimento espiritual.
O batismo, portanto, não substitui a conversão pessoal, mas a antecipa como promessa da graça que será confirmada pela fé. Por isso, na tradição reformada e metodista, o batismo infantil é seguido, na juventude, de uma profissão pública de fé, quando o batizado confirma conscientemente as promessas feitas no início de sua caminhada.
Conclusão
As objeções ao batismo infantil geralmente partem da suposição de que o batismo é apenas um testemunho humano de fé. A teologia bíblica, no entanto, revela o contrário: o batismo é primeiramente um ato da graça divina — sinal da aliança de Deus antes de ser resposta humana.
A fé dos pais, a promessa de Deus e a comunhão da Igreja sustentam a criança até o momento em que ela mesma possa confessar conscientemente o Cristo em quem já foi selada. Assim, longe de ser uma inovação, o batismo infantil é expressão da fidelidade de Deus de geração em geração, conforme o padrão pactual revelado nas Escrituras.
Diretrizes pastorais
1) Votos e catequese — Pais/padrinhos prometem discipular: culto no lar (Dt 6.6–7), oração, Escrituras, vida congregacional, classes de catecúmenos.
2) Confirmação — Ao atingir maturidade, o batizado professa publicamente a fé (confirma o “amém” que a Igreja pronunciou).
3) Disciplina e esperança — O batismo não é amuleto. Se houver afastamento, o sinal permanece como testemunho chamando ao retorno.
4) Modo e forma — Imersão, efusão/aspersão são legítimas; a Didaquê já prevê derramar quando necessário. Use água e a fórmula trinitária.
Textos bíblicos-chave
Os seguintes textos formam a base doutrinária da compreensão cristã do batismo, especialmente em sua dimensão pactual e graciosa, mostrando tanto o mandato divino quanto o princípio de inclusão dos filhos dos crentes na comunidade da fé.
Mateus 28.19–20
“Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que tenho ordenado a vocês.”
O mandato batismal é universal e missionário. O batismo é o sinal visível da entrada na comunidade discipular, a Igreja. A ordem “batizar e ensinar” mostra que o ensino pode seguir o batismo, o que é plenamente coerente com o batismo infantil, em que a criança é batizada primeiro e instruída depois, dentro do processo contínuo do discipulado.
Atos 2.38–39
“Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados, e vocês receberão o dom do Espírito Santo. Porque a promessa é para vocês e para os seus filhos...”
Pedro declara que o batismo é o sinal da promessa da aliança, e essa promessa é explicitamente para os crentes e seus filhos. Assim como os filhos de Abraão recebiam o sinal da aliança no Antigo Testamento, os filhos dos crentes no Novo Testamento também estão sob as promessas de Deus. A aliança não se estreita com Cristo — ela se amplia.
1 Coríntios 7.14
“Porque o marido descrente é santificado pela mulher crente, e a mulher descrente é santificada pelo marido crente; de outra sorte, os vossos filhos seriam impuros, mas agora são santos.”
Paulo afirma que os filhos dos crentes são santos, isto é, separados para Deus e pertencentes à comunidade da aliança. Sendo santos, devem receber o sinal da santidade — o batismo — assim como os filhos de Israel recebiam a circuncisão. O apóstolo reforça aqui o princípio pactual de que a fé dos pais consagra a casa inteira (cf. Js 24.15).
Colossenses 2.11–12
“Nele também vocês foram circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojar do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo, tendo sido sepultados juntamente com ele no batismo...”
Calvino observou com acerto que este texto é decisivo para compreender o batismo infantil. O apóstolo liga circuncisão e batismo como sinais equivalentes de uma mesma graça pactual. A circuncisão, aplicada aos filhos dos crentes no antigo pacto, é substituída pelo batismo, sinal da nova aliança. Negar o batismo às crianças dos crentes seria romper a continuidade da aliança que Deus mesmo estabeleceu.
Tito 3.5
“Ele nos salvou, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia, mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo.”
O batismo é aqui descrito como lavar regenerador, expressão da graça preveniente que age antes de qualquer mérito humano. A salvação é dom de Deus, e o batismo é o sinal visível dessa misericórdia. Essa verdade se aplica igualmente às crianças, que ainda não podem realizar “obras de justiça”, mas podem ser alcançadas pela graça divina.
Lucas 18.15–17
“Traziam-lhe também as crianças, até os bebês, para que ele as tocasse... Jesus, porém, chamando-as para junto de si, disse: ‘Deixem vir a mim os pequeninos e não os impeçam, porque dos tais é o Reino de Deus.’”
Jesus não apenas acolhe as crianças, mas as coloca no centro da comunidade do Reino. A expressão “até os bebês” (βρέφη) mostra que Ele se refere também aos recém-nascidos. A advertência “não as impeçam” deve ecoar fortemente nas discussões sobre o batismo infantil. Se o Reino pertence a elas, não há razão para negar-lhes o sinal visível da pertença ao Reino.
Lucas 1.15,41 – João Batista cheio do Espírito no ventre
“Ele será cheio do Espírito Santo, ainda no ventre de sua mãe... e, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança saltou no ventre.”
Esse episódio singular demonstra que o Espírito Santo pode agir em uma criança antes mesmo de seu nascimento. João Batista experimentou a presença e a ação do Espírito ainda no ventre materno — um exemplo notável da graça preveniente, pela qual Deus age antes da consciência ou da resposta humana.
Se o Espírito pôde encher João ainda não nascido, não há obstáculo teológico para crer que Deus possa agir também na vida dos pequeninos que recebem o batismo, selando-os com o sinal da promessa. Assim, a regeneração espiritual é obra soberana do Espírito, e o batismo é seu selo visível e comunitário (cf. Ef 2.8; Jo 3.8).
Mateus 21.16
“Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor.”
Jesus cita o Salmo 8 para afirmar que as crianças têm lugar no culto e que delas procede “perfeito louvor”. Esse reconhecimento divino do louvor infantil reforça a ideia de que as crianças fazem parte do povo adorador e, portanto, devem receber o sinal da aliança.
1 Coríntios 10.1–2
“Porque não quero, irmãos, que vocês ignorem que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem e todos passaram pelo mar, e, em Moisés, todos foram batizados na nuvem e no mar.”
Toda a comunidade de Israel — inclusive crianças — foi “batizada em Moisés”, prefigurando o batismo cristão como sinal de identificação com o povo de Deus. Esse batismo coletivo no Êxodo reforça o caráter comunitário e não meramente individual do sacramento.
Deuteronômio 29.10–12
“Todos vocês estão hoje diante do Senhor, seu Deus... para entrar na aliança do Senhor, seu Deus, e no juramento que o Senhor, seu Deus, faz com vocês hoje.”
A aliança mosaica incluía todas as gerações e idades: homens, mulheres, crianças e estrangeiros. Ninguém estava fora da comunhão do povo de Deus. O princípio é o mesmo da nova aliança: Deus estabelece pacto com famílias inteiras, incluindo os filhos.
Josué 24.15
“Eu e a minha casa serviremos ao Senhor.”
A confissão de Josué expressa o ideal da fé doméstica: o chefe da família consagra toda a casa ao serviço de Deus. O batismo de famílias inteiras no Novo Testamento (At 16.15,33; 1Co 1.16) é o prolongamento natural dessa consciência comunitária da fé.
Síntese
Esses textos, lidos em conjunto, revelam uma linha teológica clara e contínua:
- O batismo é mandato de Cristo e sinal de discipulado (Mt 28.19–20);
- É sinal da promessa da aliança que alcança também os filhos (At 2.39);
- As famílias crentes pertencem integralmente à aliança (1Co 7.14; Js 24.15);
- O batismo substitui a circuncisão como sinal pactual (Cl 2.11–12);
- É lavar regenerador do Espírito Santo (Tt 3.5);
- As crianças são acolhidas por Cristo e cheias do Espírito (Lc 1.15,41; 18.15–17);
- E a aliança de Deus sempre abrangeu o povo inteiro, sem exclusão das crianças (1Co 10.1–2; Dt 29.10–12).
Assim, negar o batismo infantil seria romper o fio de continuidade da aliança divina e restringir a graça que, desde Abraão até Cristo, sempre alcançou as gerações dos que creem.
Conclusão
À luz das Escrituras Sagradas, da continuidade pactual, do acolhimento de Jesus aos pequeninos, da promessa que se estende “a vós e a vossos filhos”, do uso antigo e universal da Igreja e de um caminho pastoral sólido (votos + discipulado + confirmação), o batismo de crianças é bíblico, eclesial e prudente. Ele honra a primazia da graça e convoca a resposta pessoal de fé — não a dispensa.
Anexo — Livro de Disciplina (IMeL)
A disciplina da Igreja Metodista Livre no Brasil acolhe o batismo de crianças, exigindo posterior profissão de fé antes da admissão como membros plenos. A numeração de parágrafos varia por edição; consulte a edição brasileira vigente.13
Notas Finais (referências)
1. John Wesley, “A Treatise on Baptism” (1756).
2. BDAG, s.v. βρέφος (brephos).
3. Tradição Apostólica de Hipólito, cap. 21 (edições: Alistair Stewart; ou Bradshaw/Johnson/Phillips).
4. Tertuliano, De baptismo, 18 (ANF).
5. Orígenes, Homilias sobre Levítico 8.3; Comentário a Romanos 5.9.
6. Cipriano de Cartago, Epístola 64 (a Fido).
7. Concílio de Cartago (418), Cânon 2 (contra os pelagianos).
8. Didaché 7.1–3, em Michael W. Holmes (ed.), The Apostolic Fathers: Greek Texts and English Translations (Baker).
9. João Calvino, Institutas da Religião Cristã, IV.16.
10. Catecismo de Heidelberg, Pergunta 74.
11. Trinta e Nove Artigos, Artigo 27.
12. John Wesley, “A Treatise on Baptism”.
13. Livro de Disciplina da Igreja Metodista Livre (edição brasileira vigente).
Sugestão sobre como realizar o batismo infantil
1) Acolhida e propósito
Irmãos, o batismo é sinal da graça de Deus e da nossa entrada no povo da nova aliança (Mt 28.19; At 2.39). Cremos que Cristo acolhe as crianças e as coloca no centro do Reino (Mc 10.14–16). Hoje pedimos que esta graça marque a vida de [Nome da criança], enquanto nos comprometemos a discipulá-la para que, a seu tempo, professe pessoalmente a fé em Jesus (Rm 10.9; Ef 6.4).
2) Palavra breve
• A salvação é pela graça mediante a fé (Ef 2.8–9); o batismo é sinal dessa graça e nos vincula à comunidade de Cristo (Rm 6.3–4).
• À família cabe ensinar e modelar a fé no cotidiano (Dt 6.6–7; Ef 6.4).
• À igreja, acolher, ensinar e testemunhar (Mt 5.16; At 2.42).
3) Perguntas aos pais/responsáveis
1. Vocês recebem de Deus este(a) filh(a) como dádiva e pedem o batismo confiando na graça de Cristo, comprometendo-se a guiá-lo(a) à fé pessoal e à futura profissão de fé? (At 2.39; Rm 10.9)
*Pais: Sim, com a ajuda de Deus.
2. Prometem orar por [Nome], ensiná-lo(a) nas Escrituras, no culto doméstico e na comunhão da igreja, conduzindo-o(a) a amar e obedecer a Jesus? (Dt 6.6–7; Ef 6.4)
*Pais: Sim, com a ajuda de Deus.
3. Prometem dar *bom exemplo* de vida cristã — arrependendo-se quando falharem, praticando a justiça, a misericórdia e a fidelidade? (Mt 5.16; Mq 6.8)
*Pais: Sim, com a ajuda de Deus.
4. Renunciam ao mal e às obras das trevas e prometem resistir às tentações, confiando na graça que educa para a santidade? (Tt 2.11–12; Tg 4.7)
*Pais: Sim, com a ajuda de Deus.
4) Perguntas aos padrinhos/madrinhas
1. Vocês se comprometem a *apoiar* estes pais na educação cristã de [Nome], orando, acompanhando, aconselhando e sendo *referência* de discipulado?
*Padrinhos:* Sim, com a ajuda de Deus.
2. Prometem permanecer presentes nos marcos da fé desta criança e encorajá-la à futura confirmação/profissão de fé?
*Padrinhos:* Sim, com a ajuda de Deus.
5) Voto da igreja (congregação)
Como família de Deus, vocês recebem [Nome] e prometem acolher, orar e cooperar no discipulado desta criança, oferecendo ensino fiel e bom testemunho?
Igreja: Sim, com a ajuda de Deus.
6) Oração de consagração pelos pais, padrinhos e igreja
(Pastor(a) ora brevemente pedindo graça, sabedoria e perseverança — Ef 3.16–19.)
7) Oração sobre a água (breve)
Ó Deus da aliança, bendize esta água, para que, ao receber o sinal do batismo, [Nome] seja marcado(a) pela tua graça em Cristo, unido(a) ao teu povo e conduzido(a) ao novo viver do teu Espírito (Rm 6.3–4). Amém.
8) Chamada do nome
Qual é o nome desta criança?
(Pais respondem.)
[Nome], eu te batizo *em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.*
(Aí você aplica a água com as mãos ou fazendo uso de algum recipiente, conforme instruções: fluxo contínuo — enfatizando a unidade — ou três afusões — destacando as Pessoas da Trindade.)
9) Pós-batismo (opcional e breve)
• Oração final e apresentação à igreja:
Igreja, este é/esta é [Nome], nosso(a) novo(a) batizado(a). Caminhemos juntos para que ele(a) cresça na graça e no conhecimento do Senhor.
Leia também: Qual o método correto de Batismo: imersão, aspersão ou efusão?
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