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VOCAÇÃO UNIVERSAL DA IGREJA - “CHAMADOS PARA FORA”
Certa vez, alguém me fez a seguinte pergunta: "Por que foi que Deus escolheu um povo em detrimento dos demais?" Respondi dizendo que Deus ao escolher Israel, não o fez em detrimento, mas, sim, em favor de todas as demais nações da terra.
As raízes da formação do povo hebreu são descentralizadoras e missionárias, pois nasceu recebendo o apelo missionário de beneficiar a todos os demais povos com a mesma bênção com que foi contemplado por Deus. Abraão foi abençoado por Deus para se tornar uma bênção para todas as demais famílias da Terra (Gn 12.3). Ele não deveria represar a bênção em si mesmo ou em sua própria família. Deus é criador de todos, ama a todos e oferece graça e bençãos a todos os povos, línguas e nações. O livro de Gênesis mostra isto com clareza.
Observasse o seguinte padrão nas narrativas registradas nos onze primeiros capítulos de Gênesis. Cada uma das quatro narrativas principais (Queda de Adão e Eva, Crime de Caim, Dilúvio e Babel) possuem estes quatro elementos essenciais: 1. Descrição do pecado, 2. Discurso de Deus, 3. Castigo e 4.Manifestação da Graça.
Este padrão está bem explícito nas três primeiras narrativas. No entanto, no episódio de Babel, vemos a descrição do pecado, ouvimos o discurso de Deus e também percebemos o consequente castigo que culminou em distanciamento, estranhamento e inimizades entre as nações, mas, onde está o quarto elemento? Onde está a Graça de Deus? Cadê a cura para as nações?
O autor de Gênesis parece mesmo estar despertando a nossa curiosidade e atenção para este importante aspecto. Não é à toa que a narrativa de Babel termine com uma lista genealógica que desemboca no personagem Abraão. Aí está a manifestação da graça divina em favor das nações! O chamado de Abração é um chamado missionário que visa o bem e a salvação de todos os povos: "Em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.3)!
Com Abraão se inaugura a história da salvação. Até então, o que parecia prevalecer era o pecado e a maldade humana como vistos nos episódios da Queda, de Caim, do Dilúvio e de Babel, trazendo muita maldição (3.14,17; 4.11; 5.29; 8.21; 9.25). Mas, agora, com Abraão, esboça-se um período de bênção, graça e redenção.
Curioso notar que, em Gênesis, a história da desgraça humana culmina com o episódio da “Torre de Babel”, e que, de Babel, Deus chama Abraão para dar início a história da salvação! E é também interessante o contraste que podemos estabelecer entre Babel e Abraão: 1) Em Babel, homens pretendem alcançar os céus, de baixo para cima, por méritos próprios, enquanto que, no chamado de Abraão, é Deus quem desce até ele; 2) Em Babel, temos a soberba daqueles que pretendem dominar o mundo através de seu poder e conhecimento tecnológico (11.3), enquanto que, Abraão, em sua fraqueza, ousa acreditar na promessa que seria pai; 3) Enquanto os homens de Babel estão dizendo: "tornemos célebre o nosso nome" (11.4), no episódio de Abraão, é Deus que lhe fala: "te engrandecerei o nome" (12.2); e 4), por fim, enquanto a Torre de Babel divide as nações, Deus chama a Abração para formar uma nação cuja missão principal é tornar-se um canal de bênção para todas as demais nações (12.3)
O restante do livro de Gênesis relata como isto começa a se cumprir através de Abraão e sua descendência. Abraão é descrito abençoando Ló, que formará uma nação, e também libertando cinco cidades das mãos de seus opressores (Gn 13, 14). Não podemos esquecer de que Abrão intercedeu em favor de Sodoma e Gomorra (Gn 18); E, Deus diz o seguinte a Abimeleque a respeito de Abraão: “ele é profeta e intercederá por ti, e viverás” (20.7); E Labão confessa a Jacó: “tenho experimentado que o Senhor me abençoou por amor de ti” (30.27); E bem sabemos que os últimos capítulos de Gênesis são destinados a contar a história de José que se tornou grande e poderoso a ponto de abençoar o Egito e muitas outras nações vizinhas.
Eis aí a grande vocação do povo de Deus. Mas, não podemos nos esquecer de que tal privilégio traz consigo uma enorme responsabilidade, quando Israel deixa de ser bênção, Deus denuncia: “foste maldição entre as nações” (Zc 8.13; Jr 4.4).
As Escrituras do Antigo e Novo Testamentos revelam que os descendentes de Abraão, de um modo geral, acabaram negligenciando a sua missão. Mas, Deus sempre cumpre as suas promessas. Já nos primórdios, Deus havia prometido a Adão e a Eva que nasceria um homem que pisaria a cabeça da serpente. Isto tem a ver com a promessa de que em Abraão haveria benção para todas as famílias da terra, pois o Cristo é um descendente de Abraão e nasceu para desfazer as obras de Satanás e para iluminar o mundo inteiro.
Israel, de um modo geral, não reconheceu a Jesus como o Messias prometido (Jo 1.10-12); Então, os gentios recebem o Cristo e são enxertados na Oliveira (Rm 11.17-24). Repare que não existem duas oliveiras mais somente uma. Jesus disse: “Eu sou a videira verdadeira”. Sabemos que tanto videira, como oliveira são símbolos de Israel. Jesus está afirmando ser o Israel verdadeiro. Por esta razão Paulo diz aos gentios cristãos: “naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um, e tendo derrubado a parede de separação que estava no meio, a inimizade... para que dos dois criasse em si mesmo um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo… Assim já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e sois família de Deus… os gentios são co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho.” (Ef 2.12-3.6). “Dessarte, não pode haver judeu nem grego… porque todos vós sois um em Cristo. E se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão, e herdeiros segundo a promessa.” (Gl 3.28-29).
Por tudo isto Paulo pode declarar ousadamente: “Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão… Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente que é Cristo” (Gl 3.7, 16. Ver também Rm 4.10-18).
Jesus é “a pedra principal”, os que estiverem firmes nesta pedra, quer judeus, quer gentios, pois “Deus não faz acepção de pessoas” (Rm 2.11), é que, agora são chamados de “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus…” (1 Pe 2.4-10). Interessante notar que, neste trecho, Pedro está citando uma promessa de Deus dirigida ao povo de Israel, registrada em Êxodo 19.5-6: “... então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos... vós me sereis reino e sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel”. Pedro estava convicto de que era através da Igreja que tal profecia havia tido o seu cumprimento, e por isso ousou dirigir tais palavras à Igreja. “Porque não é judeu quem o é apenas exteriormente, nem é circuncisão a que é somente na carne. Porém judeu é aquele que o é interiormente, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não segundo a letra, e cujo louvor não procede dos homens, mas de Deus.”(Rm 2.28-29).
Não é à toa que Jesus escolhe o número de 12 apóstolos, fazendo alusão as doze tribos de Israel; bem como o Céu é descrito em termos de “Nova Jerusalém”, bem apropriado para o Novo Israel de Deus.
Jesus Cristo é o “sim” e o “amém” pronunciado sobre cada uma das promessas de Deus registradas no Antigo Testamento: “Porque quantas são as promessas de Deus tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para a glória de Deus.” Jesus é o Messias prometido; e, verdadeiro israelita é aquele que possui o Messias. A esperança do povo judeu é crer no Messias, ingressando na Sua Igreja. Quando Israel rejeitou o Messias foi cortado fora da “Oliveira” e os gentios foram enxertados nesta mesma árvore. Não existem, portanto, duas árvores; não existem, portanto, dois povos de Deus. O que não quer dizer que Deus tenha se esquecido e abandonado Israel. A esperança e promessa em relação a Israel é de que venha ser enxertado de volta na mesma árvore, onde agora estão os gentios. A Igreja é este “mistério de Deus” (Ef 5.32), que engloba todos os povos, formando um “só corpo”, com “um só Senhor” (Ef 4.4 e 5).
Percebemos nitidamente o elemento de continuidade no que diz respeito a missão de Israel (Gn 12.3) e a missão da Igreja: “Ide, fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28.18-20), “E serme-eis testemunhas em Jerusalém, Judéia, Samaria e até nos confins da terra” (At 1.8).
Quando a promessa do Espírito foi derramada sobre a Igreja no dia de Pentecostes, um fenômeno extraordinário envolvendo línguas e nações aconteceu com efeito reverso aquele de Babel! Enquanto em Babel tivemos a confusão das línguas e a divisão das nações, em Pentecostes, através da Igreja, temos uma língua compreendida por todos os povos, promovendo conversões e a unidade dos povos debaixo do senhorio do descendente de Abraão que de fato é Filho de Deus e o legítimo Rei de Todas as Nações!
Apocalipse usa a palavra “nação” ou "nações" mais de 20 vezes. Redimidos de todas as nações adoraram ao Senhor (5.9; 7.9) com o cântico “Rei das nações” (Ap 15.3,4). “É necessário que o Evangelho seja primeiramente pregado para todas as nações, só então virá o fim” (Mt 24.14). Nós apressamos o retorno de Jesus através do cumprindo nossa missão (At 1.8; Mt 28.19,20, 2 Pe 3)
Vimos, portanto, que desde os tempos do Antigo Testamento, observasse a grande preocupação de Deus com todos os povos. E o mesmo que nos disse: “vinde a mim”, também nos disse: “ide por todo mundo”. Jesus orou ao Pai para que não fossemos tirados do mundo, pois ele tem um plano para nós aqui, uma grande missão. Não devemos ser crentes de arquibancada, nos portando como meros espectadores dos eventos históricos e escatológicos, pois não foi para isto que fomos chamados. Devemos assumir o nosso papel na história, devemos atuar como protagonistas, precisamos entrar em campo, e pelo auxílio do Espírito Santo, contribuir para a concretização dos propósitos de Deus (Mt 5.14-16).
Bispo José Ildo Swartele de Mello
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