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Liderança e Legado: Construindo um Impacto que Transcende o Tempo

Que Legado Iremos Deixar para a Próxima Geração?

Eu nunca desejei ser líder de nada, mas, curiosamente, acabei assumindo essa posição em minha vida. Sempre fui muito tímido, muito mais do que sou hoje. Apesar de nunca querer liderar, eu sempre quis me enturmar, participar e apoiar. Queria ver as coisas acontecerem, mas preferia estar nos bastidores, ajudando os outros.

Na adolescência, gostávamos muito de jogar futebol na Vila Império, no alto do morro de Cidade Adhemar. E um amigo, chamado Miguel, era o líder nato do grupo. Ele comprava bolas, organizava campeonatos e desafiava as outras vilas. Eu estava sempre ao lado dele, ajudando a chamar pessoas e colaborando como seu auxiliar.

Certa vez, Miguel teve que se mudar para a Bahia. Antes de partir, ele comprou uma bola de futsal novinha e, ao se despedir, me entregou dizendo: 'Agora é com você. Não deixe isso morrer.' Ele temia que as atividades que ele tanto incentivava se perdessem com sua partida. Assim, ele literalmente 'passou a bola' para mim, confiando que eu continuaria com o que podemos chamar de seu legado.

Legado e herança são conceitos frequentemente confundidos, mas possuem diferenças fundamentais. Enquanto a herança refere-se aos bens materiais passados de geração em geração, o legado transcende o material, sendo o último desejo de uma pessoa, algo que pode ser dado a qualquer indivíduo, mesmo que não seja da família. Legado é a transmissão de valores, princípios e ensinamentos que moldam a identidade e o caráter das futuras gerações.

No contexto da música popular brasileira, uma famosa canção de samba ilustra bem essa preocupação com o legado. O sambista, ao cantar sobre o futuro do samba, expressa um profundo senso de responsabilidade pela continuidade de sua arte, que ele considera essencial para a cultura do morro e para sua própria identidade. Eis os versos:

Quando eu não puder
Pisar mais na avenida
Quando as minhas pernas
Não puderem aguentar
Levar meu corpo
Junto com meu samba
O meu anel de bamba
Entrego a quem mereça usar

Deixo ao sambista mais novo
O meu pedido final
Não deixe o samba morrer
Não deixe o samba acabar

Essas palavras revelam a preocupação do sambista ao perceber que está perto do fim de sua carreira. Ele reconhece o valor do samba para sua vida e cultura, e deseja que seu estilo de vida e seus valores não desapareçam com ele, mas sim que se perpetuem. O sambista entende que o samba é essencial para o morro, para a comunidade, e, por isso, ele transfere a responsabilidade para a nova geração. O anel de bamba, símbolo de sua excelência e destaque, deve ser passado a quem possa continuar seu legado, mantendo viva a chama do samba.

Sem entrar em juízo de valores sobre o conteúdo da música, essa preocupação do sambista em transferir seus valores para as futuras gerações nos oferece um paralelo interessante com o legado deixado por Cristo aos seus discípulos. Ao final de seu ministério, Jesus, como o sambista, estava ciente de que seu tempo na Terra estava se encerrando. Suas últimas palavras, conhecidas como a Grande Comissão (Mateus 28:18-20), são um reflexo claro de sua preocupação em assegurar a continuidade de sua obra:

"Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos."

Jesus cumpriu sua missão com fidelidade e paixão, e deixou aos seus discípulos a responsabilidade de dar continuidade à sua obra. Ele não apenas deixou um legado de ensinamentos, mas também de exemplo, de um estilo de vida baseado no amor, na justiça e na verdade. Ao delegar sua missão aos seus discípulos, Jesus lhes conferiu um papel crucial na preservação e propagação do Evangelho.

Assim como o sambista desejava que o samba continuasse vivo, Jesus deseja que sua mensagem de salvação, esperança e transformação continue a ser proclamada. A pergunta que devemos fazer é: qual valor temos dado à missão de Cristo? Estamos nós, como cristãos, cumprindo e transmitindo com fidelidade o legado que recebemos?

Aqui, compartilho um exemplo pessoal que ilustra como o valor que damos ao legado que recebemos pode moldar nossa jornada de liderança. Eu era uma pessoa tímida, que evitava posições de destaque e liderança. Em nossa igreja, tínhamos uma mocidade muito ativa, cuja liderança organizava encontros semanais, retiros e passeios que eram tanto divertidos quanto edificantes. Essas atividades tiveram um impacto muito significativo na minha vida.

No entanto, quando eu tinha 18 anos, uma crise abalou nossa mocidade. Os líderes se desentenderam, e, um a um, renunciaram aos seus cargos. As programações, que antes eram vibrantes e constantes, pararam de acontecer de uma hora para outra. Fiquei muito triste com a situação e, numa tentativa de animar a turma a retornar aos seus postos, liguei para cada um dos líderes e também para os demais jovens da igreja, pedindo que fossem à reunião do próximo sábado como de costume. Esse acabou sendo meu primeiro ato como líder na igreja, ainda que eu não tivesse a mínima intenção de liderar nada. Porém, ninguém apareceu na reunião.

Apesar desse fracasso inicial, não desisti. Liguei novamente para todos e marcamos uma nova reunião, desta vez na casa de um dos membros da mocidade, para garantir pelo menos a presença dos anfitriões. Contudo, a mãe desse jovem, sem entender que se tratava de uma reunião da diretoria da mocidade, pensou que seria um culto e convidou 10 vizinhos não crentes. Quando cheguei, ela, toda alegre, informou que os vizinhos já estavam sentados na sala. Concluí que precisávamos mudar os planos e aproveitar a oportunidade para realizar um culto com pregação do Evangelho.

Perguntei ao ex-presidente da mocidade se ele poderia pregar, mas ele disse que não estava preparado. O mesmo aconteceu com o ex-diretor espiritual. Me vi diante de um desafio enorme para mim, que sempre tive paúra de falar em público. Mas, seguro de que o Evangelho precisava ser pregado, fui tomado por uma coragem que não possuía naturalmente e preguei pela primeira vez em minha vida. Para minha surpresa, preguei com uma desenvoltura que até me espantou. Cinco das pessoas presentes se converteram.

Uma dessas pessoas, chorando, conversou comigo após o culto e perguntou se eu aceitaria pregar a mesma mensagem para seus familiares e amigos em uma reunião semelhante na casa dela na semana seguinte. Relutante, mas sentindo o peso da responsabilidade, concordei. Mais pessoas se converteram, e novas reuniões em casas foram marcadas. As reuniões de sábado da mocidade foram reativadas sob minha liderança, já que nenhum dos antigos líderes quis voltar aos seus cargos. Houve uma renovação espiritual, e, só naquele ano, realizamos três retiros de jovens.

Esse início na liderança teve muito a ver com o valor que eu dava às atividades da mocidade e e meu amor pela igreja. Eu havia recebido isto como um legado que não queria que morresse. Outra coisa, foi o valor que eu dava ao Evangelho e seu impacto na minha vida. Não podia simplesmente ficar calado diante das pessoas que necessitavam ouvir as boas novas de salvação em Cristo. Entendo que meu desejo de ver essas programações continuarem e minha convicção sobre a importância do Evangelho foram os fatores que me levaram a assumir a liderança, mesmo que de forma inesperada.

O maior legado que podemos deixar para a próxima geração não são os bens materiais, mas os valores eternos do Evangelho. Nosso legado deve ser a obra de Cristo, a razão principal de nossa existência. Que sejamos fiéis em transmitir esse legado, fazendo discípulos que sigam os passos de Jesus, garantindo que a missão de Cristo continue viva e ativa nas futuras gerações.

Que legado iremos deixar? O que estamos fazendo hoje que será lembrado e continuado amanhã? Assim como o sambista deseja ver o samba perdurar, devemos desejar ver o Evangelho avançar, transformando vidas e comunidades. Essa é a marca de uma liderança comprometida com os valores eternos.

Questões para reflexão:

  1. Qual é o propósito central de sua liderança? 
  2. Que legado você deseja deixar para a próxima geração? 
  3. Como suas ações atuais estão contribuindo para a construção desse legado? 
  4. Como você está preparando outros para dar continuidade ao trabalho que você começou? 
  5. Como você está buscando superar seus pontos fracos e transformar desafios em oportunidades de crescimento? 
  6. Como você entende a relação entre liderança e serviço? 
  7. De que forma sua liderança reflete a atitude de serviço que Jesus demonstrou? 
  8. Como você pode melhorar sua liderança para que ela seja mais centrada no serviço ao próximo?

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