quarta-feira, 31 de outubro de 2012
O NOVO NASCIMENTO - “Importa-vos nascer outra vez”. (João 3.7)
O NOVO NASCIMENTO
1. SE QUAISQUER doutrinas, dentro do círculo do cristianismo, podem ser propriamente chamadas "fundamentais", estas serão, sem dúvida, duas: a doutrina da justificação e a do novo nascimento: a primeira relacionando-se com a grande obra que Deus faz por nós, perdoando nossos pecados; a última, referindo se à grande! Obra que Deus opera em nós, renovando-nos a natureza decaída. Quanto ao tempo, nenhuma delas tem a primazia: no momento em que somos justificados pela graça de Deus, pela redenção que há em Jesus, somos também "nascidos do Espírito"; mas, em urdem de pensamento, como é de uso expressar-se, a justificação precede ao novo nascimento. Primeiro, concebemos sua ira apartando-se de nós e depois seu Espírito operando em nossos corações.
2. Que importância enorme deve ter então, para todo filho do homem, o compreender profundamente essas doutrinas fundamentais! Partindo de uma perfeita compreensão disto, muitos homens excelentes têm escrito com abundância acerca da justificação, explanando cada ponto relativo a ela e abrindo as Escrituras que tratam do assunto. Muitos têm igualmente escrito sobre o novo nascimento, e alguns deles com bastante largueza; mas ainda não tão claramente como se poderia desejar, nem de modo tão profundo e acurado: apresentam uma obscura, confusa versão do novo nascimento, ou uma versão leve e superficial. Parece, portanto, haver necessidade de uma completa e ao mesmo tempo clara definição do novo nascimento; uma definição que nos habilite a dar satisfatória resposta a estas três perguntas:
Primeiro – Por que precisamos nascer de novo? Qual é o fundamento da doutrina do novo nascimento? Segundo – Como podemos nascer de novo? Qual é a natureza do novo nascimento? E, terceiro – Para que devemos nascer de novo? Para que fim isto é necessário? Estas questões, com a assistência de Deus, pretendo responder breve e claramente, e depois acrescentar umas poucas inferências que naturalmente ocorram.
I
1. Primeiro – Por que precisamos nascer de novo? Qual é o fundamento da doutrina do novo nascimento?
Seu fundamento remonta tão longe e tão profundamente como à criação do mundo. Na descrição bíblica desse evento lemos: "E Deus", o Deus Trino, "disse: façamos Q homem à nossa imagem e segundo nossa semelhança". Assim Deus criou o homem à sua própria imagem, à imagem de Deus o criou" (Gn 1.26,27) ; não meramente à suaimagem natural, um retrato de sua imortalidade; um ser espiritual, dotado de entendimento, liberdade de vontade e vários afetos; não meramente à sua imagem política, o governador deste mundo inferior, tendo "domínio sobre os peixes do mar e sobre toda a terra"; mas principalmente à sua imagem moral que, no dizer do apóstolo, é "justiça e verdadeira santidade" (Ef 4.24). Segundo essa imagem o homem foi feito. "Deus é amor": conseqüentemente, o homem, ao ser criado, estava cheio de amor, que era o único móvel de todas as suas disposições, pensamentos, palavras e aros. Deus é cheio de justiça, misericórdia e verdade: assim era o homem ao sair das mãos de seu Criador. Deus é imaculada pureza: e assim era o homem no começo, puro de toda mancha pecaminosa; de outro modo Deus não oteria achado, assim como a todas as demais obras de suas mãos, "muito bom" (Gn 1.31). Bom
não podia o homem ter sido, se não fosse limpo de pecado e cheio de Justiça e verdadeira santidade. Porque não há meio termo: se supusermos que uma pessoa Inteligente não ame a Deus, não seja justa e santa, necessariamente havemos de supor que essa pessoa não seja boa de modo nenhum, e ainda menos "muito boa".
2. Mas, embora tivesse sido o homem feito à imagem de Deus, ele não foi feito, todavia, imutável. Isto teria sido inconsistente com o estado de prova em que foi do agrado de Deus colocá-la, Foi criado com capacidade de permanecer de pé, e, no entanto, também sujeito a cair. E isto o próprio Deus lhe deu a conhecer e fez-lhe a tal propósito uma solene advertência. Não obstante, o homem não permaneceu em glória; caiu de sua alta condição. Ele "comeu da árvore a respeito da qual o Senhor lhe havia recomendado, dizendo: tu não comerás dela". Por esse ato voluntário de desobediência a seu Criador, por essa franca rebelião contra seu Soberano, o homem abertamente declarou que não mais queria que Deus o governasse; que desejava ser governado pela sua própria vontade, ê não pela vontade daquele que o criara; e que não pretendia buscar sua felicidade em Deus, mas no mundo, nas obras de suas mãos. Ora, Deus lhe havia dito antes: "No dia em que comeres" daquele fruto, "certamente morrerás". E a
palavra do Senhor não pode falhar. Conseqüentemente, naquele dia ele morreu: morreu para Deus – a mais tremenda de todas as mortes. Perdeu a vida de Deus: foi separado de Deus – e sua vida espiritual consistia precisamente nessa união. O corpo morre quando se separa da alma; morre a alma quando se separa de Deus. Mas essa separação de Deus Adão a experimentou no dia, na hora em que comeu do fruto proibido. E disso deu, prova imediata, mostrando pela sua conduta que o amor de Deus estava extinto em sua alma, a qual se encontrava agora "afastada da vida de Deus". Em troca, estava agora sob o temor servil, de modo que fugiu da presença do Senhor. Sim, tão pouco conservou do conhecimento daquele que enche o céu e a terra, que tentou "esconder-se do Senhor Deus em meio das árvores do jardim" (Gn 3.8): destarte havia ele perdida tanto o conhecimento como o amor de Deus, sem os quais a imagem de Deus não podia subsistir. Desta, portanto, foi ele privado ao mesmo tempo e tornou-se ímpio e infeliz. Em lugar da imagem de Deus, revestiu-se de orgulho e obstinação, verdadeira imagem do diabo; e de apetites e desejos sensuais, à semelhança dos brutos que perecem.
3. Se se disser: Mas aquela advertência – No dia em que comeres dela, certamente morrerás, refere-se à morte temporal, e somente a esta, isto é, à morte do corpo" – responder-se-á de pronto: Afirmar isto é franca e palpavelmente tratar a Deus como mentiroso; asseverar que o Deus da verdade positivamente afirmava uma coisa contrária à verdade. Porque é evidente que Adão não morreu naquele sentido, "no dia em que comeu dela". Adão viveu, no sentido oposto a essa morte, por mais de novecentos anos. Assim, a expressão não pode ser entendida como morte corporal,. sem ofensa à veracidade de Deus. Deve, por tanto, ser entendida como morte espiritual, como a perda da vida e da imagem de Deus.
4. E em Adão todos morreram, toda a espécie humana, todos os filhos dos homens que então estavam nos lombos de Adão. A conseqüência natural disso é que todo descendente seu vem ao mundo espiritualmente morto, morto para Deus, totalmente morto – em pecados; inteiramente vazio da vida de Deus; destituído da imagem de Deus, de toda aquela justiça e santidade com que Adão fora criado. Em lugar disto, todo homem nascido no mundo traz agora a imagem do diabo, no orgulho e na obstinação; a imagem do animal, em apetites e desejos sensuais. Este é, pois, o fundamento do novo nascimento – a completa corrupção de nossa natureza. Daí é quê resulta que, sendo nascidos em pecado, precisamos "nascer de novo". Daí a necessidade de nascer do Espírito de Deus todo aquele que tenha nascido de mulher.
II
1. Mas, como pode o homem nascer de novo? Qual é a natureza do novo nascimento? Esta é a segunda questão – e questão da mais alta relevância que se possa imaginar. Não devemos, portanto, em tão
momentoso assunto, contentarmo-nos com um exame superficial; mas devemos examiná-la com todo o cuidado possível e ponderá-lo em nossos corações, até que plenamente compreendamos este ponto importante e vejamos claramente como podemos nascer outra vez.
2. Não que devamos esperar por alguma explanação minuciosa, filosófica, acerca da maneira por que isso se faz. Nosso Senhor suficientemente nos previne contra semelhante expectativa, através das palavras que imediatamente se seguem ao texto por meio delas lembrando a Nicodemos quão indiscutível é o fato, como qualquer outro que se verifica na marcha da natureza, e que, não obstante sua simplicidade, o homem mais sábio que haja debaixo do sol não é capaz de explicar satisfatoriamente. "O vento sopra onde quer" – não pelo teu poder ou sabedoria, "e ouves sua voz" – estás absolutamente certo, acima de qualquer dúvida, de que ele sopra; "mas não podes dizer de onde vem, nem para onde vai" – o modo preciso por que ele começa e termina, ergue-se e acalma-se, nenhum homem pode dizê-lo. "Assim é todo que é nascido do Espírito": podes estar tão absolutamente certo do fato, como do soprar do vento; mas o modo preciso por que isso se faz, como o Espírito Santo opera na alma, nem tu, nem o mais sábio dos filhos dos homens, será capaz de explicar.
3. Entretanto, basta a todo propósito racional e cristão que, sem descer a inquéritos curiosos, críticos, possamos dar um esquema claro e bíblico da natureza do novo nascimento. Isto satisfará a todo homem razoável, que somente deseje a salvação de sua alma. A expressão "nascer outra vez" não foi usada pela primeira vez por nosso Senhor em sua conversa com Nicodemos: era bem conhecida antes daquele tempo, e estava em uso comum entre os judeus ao tempo em que nosso Senhor apareceu em meio deles. Quando um pagão adulto se convencia de que a religião dos judeus era do Senhor e desejava unir-se a ela, era costume primeiro batizá-lo, antes que fosseadmitido à circuncisão. E quando era batizado dizia-se ter nascido outra vez oque queria dizer que, o que dantes era filho do diabo, era agora adotado na família de Deus e contado como um de seus filhos. Essa expressão, pois, que Nicodemos, sendo "mestre em Israel", devia ter bem compreendido, nosso Senhor emprega em conversa com ele; somente a emprega num sentido mais forte do que estava acostumado a ouvi-la. E esta podia ser a razão da pergunta: "Como pode ser isto?" O fato não se pode verificar literalmente: o homem não pode "entrar outra vez no ventre de sua mãe e nascer"; mas o fato pode verificar-se espiritualmente: o homem pode nascer de cima, nascer de
Deus, nascer do Espírito, o que tem analogia muito próxima com o nascimento natural.
4. Antes de a criancinha nascer neste mundo, ela tem olhos, mas não vê; tem ouvidos, mas não ouve. Faz uso muito imperfeito de qualquer outro sentido. Não tem conhecimento de qualquer coisa do mundo nem tem qualquer entendimento natural. A forma de existência que ela tem então riem podemos dar o nome de vida. Somente depois de nascido é que podemos dizer que o homem começa a viver. Porque, tão logo nasce, começa a ver a luz e os objetos com que esteja em contacto. Então se lhe abrem os ouvidos e ouve os sons que sucessivamente batem sobre eles. Ao mesmo tempo todos os outros órgãos dos sentidos começam a exercitar-se no campo apropriada a cada um. Ele próprio respira e vive de maneira totalmente diversa da vida que tivera até então. Como o paralelo exatamente se verifica em todos esses exemplos! Enquanto o homem se encontra no estado meramente natural, antes que seja nascido de Deus, possui, em sentido espiritual, olhos, e não vê; um espesso véu impenetrável estásobre eles. Possui ouvidos, mas, não ouve; é profundamente surdo a tudo que mais lhe interessa ouvir. Seus demais sentidos espirituais estão anulados e é o mesmo que se os não tivesse. Daí não ter conhecimento de Deus, nenhum contacto com Ele: o homem natural não se relaciona com Deus de modo nenhum. Não tem verdadeiro conhecimento das coisas de Deus, nem das coisas espirituais ou eternas; por isso, embora seja um homem vivo, é um cristão morto. Logo, porém, que é nascido de Deus há uma total mudança em todos aqueles pormenores. Os "olhos de seu entendimento são abertos" (tal é a linguagem do grande apóstolo); e Aquele que no passado "mandou a luz resplandecer das trevas, brilhando em seu coração, ele vê a luz da glória de Deus", seu glorioso amor, "na face de Jesus Cristo". Seus ouvidos sendo abertos, é agora capaz de ouvir a voz interior de Deus, dizendo: "Tem bom ânimo; teus pecados são-te perdoados"; "vai e não peques mais". Este é o sentido do que Deus fala em seu coração, embora, talvez, não naquelas mesmas palavras. Ele está pronto agora a ouvir seja o que for que seja do agrado "Daquele que ensina ao homem o conhecimento revelar-lhe de tempos em tempos. "Sente em seu coração", para usar a lin-guagem de nossa igreja, "a poderosa operação do Espírito de Deus", não num sentido grosseiro, carnal, como os homens do mundo estúpida e teimosamente deturpam a expressão, não obstante tenham sido repisadamente ensinados que queremos dizer, por aquelas palavras, nem mais nem menos do que isto: o homem sente, percebe interiormente, as graças que o Espírito de Deus opera em seu coração. Sente, é cônscio da"paz que excede a toda compreensão". Muitas vezes experimenta uma alegria em Deus que é "indizível e cheia de glória". Sente "o amor de Deus derramado em seu coração pelo Espírito Santo que lhe é dado"; e todos os seus sentidos espirituais são então exercitados em discernir o bem e o mal de ordem espiritual. Pelo uso deles, o homem diariamente cresce no conhecimento de Deus, de Jesus Cristo, a quem Ele enviou, e de todas as coisas pertinentes a seu reino interior. E agora pode propriamente dizer que vive: despertado por Deus mediante o Espírito, ele vive para Deus mediante Jesus Cristo. Vive a vida que o mundo não conhece, uma "vida que está: escondida com Cristo em Deus". Deus está constantemente bafejando, por assim dizer, a alma; e esta se acha respirando para Deus. A graça desce a seu coração e a oração e o louvor sobem ao céu: por este intercâmbio entre Deus e o homem, por esta comunhão com o Pai e o Filho, como por uma espécie de respiração espiritual, a vida de Deus se mantém na alma; e o filho de Deus cresce até chegar à "perfeita medida da estatura de Cristo".
5. Daí manifestamente ressalta qual seja a natureza do novo nascimento. É aquela grande mudança que Deus opera na alma, quando Ele chama-a para a vida, quando Ele levanta-a da morte do pecado para a vida da justiça. É a mudança operado em toda a alma pelo poderoso Espírito de Deus, quando ela é "criada de novo em Cristo Jesus", quando é "renovada segundo a imagem de Deus, em justiça e verdadeira santidade"; quando o amor do mundo se muda em amor de Deus, o orgulho em humildade, a impetuosidade em mansidão; o ódio, a inveja, a malícia num sincero, terno e desinteressado amor a toda, a humanidade. O novo nascimento é, numa palavra, aquela mudança pela qual a mente terrena, sensual e diabólica se transforma na "mente que havia em Cristo Jesus". Esta é a natureza do novo nascimento: "assim é todo aquele que é nascido do Espírito".
III
A quem tenha considerado essas coisas não é difícil perceber a necessidade do novo nascimento e responder à terceira pergunta. Para que fim é necessário nascer de novo? Mui facilmente se compreende que isto é necessário, primeiro, à santidade. Que é santidade, segundo os Oráculos de Deus? Não é uma religião meramente exterior, um amontoado de obrigações externas, qualquer que seja o número delas e qualquer que seja a exatidão com que sejam cumpridas. Não: a santidade evangélica não é menos do que a imagem de Deus impressa sobre o coração; não é outra coisa senão toda a mente que havia em Cristo Jesus; consta de todos os afetos e disposições celestiais fundidos num só. Implica num tal amor, contínuo e agradecido, Aquele que não nos ocultou seu Filho, seu Único Filho, de modo a tornar natural, de maneira imperativa, o amor a todos os filhos dos homens, à medida que nos enche "de coração misericordioso, ternura, doçura e longanimidade". É um tal amor de Deus que nos ensina a sermos inculpáveis em toda maneira de conversação; que nos habilita a apresentarmos nossas almas e corpos, tudo que somos e tudo quanto temos, todos os nossos pensamentos, palavras e ações, como um contínuo sacrifício a Deus, aceitável através de Cristo Jesus. Ora, esta santidade não pode existir enquanto não formos renovados na imagem de nossa mente. Não pode começar na alma enquanto não for operada aquela mudança; até que, revestidos do poder do Altíssimo, formos tirados "das trevas para a luz, do poder de Satanás para o poder de Deus", isto é, até que tenhamos nascido de novo; o que é, portanto, absolutamente necessário à santidade.
2. Mas, "sem santidade ninguém verá ao Senhor", ninguém verá a face de Deus em glória. Em conseqüência, o novo nascimento é absolutamente necessário à eterna salvação. Os homens podem na verdade lisonjear-se (tão desesperadamente mau e tão enganoso é o coração do homem!) na esperança de que possam viver em seus pecados, até chegarem ao último suspiro, e ainda depois viverem com Deus; e milhares realmente crêem que encontraram uma estrada larga que não leva à perdição. "Que perigo", dizem eles, "pode correr a mulher, com aquele que é tão sem maldade e tão virtuoso? Que perigo há que homem tão honesto, de tão rigorosa moral, possa perder o céu; especialmente se, sobre e acima de tudo isso, freqüenta a igreja e os sacramentos?" Um desses perguntará com toda a segurança: "Quê! não faço tanto bem como meu próximo?" Sim, tanto bem como teu próximo ímpio; tanto bem como teu próximo que morre em seus pecados! Na verdade, descereis todos ao abismo, ao mais profundo inferno! Todos vos reunireis no lago de fogo; no "lago de fogo que arde com enxofre". Então, afinal, vereis (conceda-vos Deus que possais vê-la antes!) a falta que faz à glória a santidade, e, conseqüentemente, a falta do novo nascimento, uma vez que ninguém pode ser santo, a não ser que seja nascido de novo.
3. Pela mesma razão, ninguém pode ser feliz, mesmo neste mundo, se não nascer de novo. Porque não é possível, pela própria natureza das coisas, que seja feliz o homem que não é santo. Mesmo o pobre, ímpio poeta, podia dizer-nos: Nemo malus felix: "Nenhum mau é feliz." A razão é clara: todas as inclinações ímpias são inclinações desagradáveis: não só, a malícia, o ódio, a inveja, o ciúme, a vingança, criam um inferno presente na consciência, mas ainda as paixões mais brandas, se não forem mantidas dentro dos devidos limites, darão mil, vezes mais dores do que prazeres. Mesmo a "esperança", quando "adiada" (e quão freqüentemente deve isto acontecer!) – "torna o coração enfermo"; e todo desejo que não seja conforme à vontade de Deus, pode "traspassar-nos de muitas dores". Todas aquelas fontes gerais de pecado – o orgulho, a obstinação e a idolatria – são, à medida que predominam, fontes gerais de miséria. Portanto, enquanto elas reinarem na alma, nesta não terá lugar a felicidade. Mas esses males devem dominar, até que as tendências de nossa natureza sejam mudadas, isto é, até que tenham nascido de
novo; conseqüentemente, o novo nascimento é absolutamente necessário não só à felicidade neste mundo, como à felicidade no mundo vindouro.
IV
Propus-me aduzir, em último lugar, umas poucas inferências, que naturalmente decorrem das precedentes
observações.
1. E, primeiro, observe-se que o batismo não é o novo nascimento: eles não são uma e a mesma coisa. Muitos, em verdade, parece imaginarem que são justamente a mesma coisa; pelo menos falam como se pensassem assim; mas não me consta que essa opinião seja abertamente sustentada por qualquer denominação cristã. Certamente que não o é por nenhuma dentro destes reinos, seja da igreja estabelecida ou dos dissidentes desta. A opinião dos últimos vem claramente exposta em seu Catecismo Maior : "P. Quais são as partes de um sacramento? R. As partes de um sacramento são duas: uma consiste no sinal externo e sensível; a outra na graça interior e espiritual, por aquele sinal simbolizada. – P. Que é o batismo? R. O batismo é um sacramento, no qual Cristo ordenou a lavagem com água como sinal e selo da regeneração por seu Espírito." Ai é manifesto que o batismo, osinal, é mencionado como ato distinto da regeneração, que é a coisa significada. No catecismo de nossa igreja se declara, igualmente, a opinião desta com a maior clareza: "P. Que queres dizer pela palavra sacramento? R. Quero dizer um sinal exterior e visível de uma graça interior e espiritual. – P. Qual é a parte exterior ou;" forma no batismo? R. A água, com a qual a pessoa é batizada em nome do Pai, Filho e Espírito Santo. – P. Qual é a parte interior, ou a coisa significada? R. A morte ao pecado e o novo nascimento para a justiça." Nada, portanto, é mais claro do que, segundo a igreja da Inglaterra, não ser o batismo o novo nascimento.
Mas, na realidade, a razão do que se afirma é tão clara e evidente, que não necessita do abono de nenhuma outra autoridade. Porque, que pode haver de mais óbvio, do que ser um a obra exterior e outro a obra interna; que um é visível e o outro invisível e, portanto, inteiramente diferentes entre si? – um sendo ato do homem, purificando o corpo; o outro uma mu-dança operada por Deus na alma, de modo que a primeira é tão distinguível da segunda como a alma do corpo ou a água do Espírito Santo.
2. Das reflexões precedentes podemos, em segundo lugar, observar que o novo nascimento não é o mesmo que o batismo, de modo que nem sempre acompanha o batismo: eles não vão necessariamente juntos. Um homem pode possivelmente ser "nascido da água" e contudo não ser "nascido do Espírito". Pode haver algumas vezes o sinal exterior onde não exista a graça interior. Não falo agora acerca das crianças: é certo que nossa igreja supõe que todos os que são batizados na infância são ao mesmo tempo nascidos de novo: e admite-se que o ritual do batismo de crianças procede daquela suposição. Nem constitui objeção de peso o fato de não podermos compreender como se opera essa obra nas crianças, porque nem podemos compreender como se opera tal obra numa pessoa de idademais madura. Mas, qualquer que seja o caso em referência às crianças, é certo que todos os que são batizados em idade adulta não são ao mesmo tempo nascidos de novo. "A árvore é conhecida por seus frutos." E destes resulta
demasiadamente claro para ser negado que vários dos que eram filhos do diabo antes que fossem batizados, continuaram na mesma condição depois do batismo; "porque fazem as obras de seu pai": continuam como servos do pecado, sem qualquer pretensão à santidade, seja interior ou exterior.
3. Uma terceira inferência que podemos tirar do que já se observou, é que o novo nascimento não é a mesma coisa que a santificação. Isto é na verdade, tido como certo por muitos; principalmente por um eminente escritor, em seu recente tratado sobre "A Natureza e os Fundamentos da Regeneração Cristã". Pondo de parte várias outras objeções de peso que se poderiam fazer àquele tratado, esta é palpável: O tratado, através de todas as suas páginas, fala .da regeneração como de uma obra progressiva, realizada na alma a passos vagarosos, a partir da época em que primeiro nos voltamos para Deus. Isto é inegavelmente verdadeiro quanto à santificação, mas não é verdade quanto à regeneração, ao novo nascimento. Esta é uma parte da santificação, não toda ela; é uma porta para ela, uma entrada para ela. Quando nascemos de novo, então nossa santificação, nossa santidade interior e exterior, começa; e daí por diante gradualmente "crescemos naquele que é nosso Cabeça", Esta expressão do apóstolo admiravelmente ilustra a diferença que há entre uma e outra, e ainda aponta a exata analogia existente entre as coisas naturais eas coisas espirituais. A criança nasce num momento, ou pelo menos em muito curto espaço de tempo: ela depois gradual e vagarosamente cresce, até atingir à estatura de um homem. De modo semelhante um filho nasce de Deus num curto tempo, senão num momento. Mas é por degraus vagarosos que ele depois cresce à medida da perfeita estatura de Cristo. A mesma relação, portanto, que há entre nosso nascimento natural e nosso crescimento, há também entre nosso novo nascimento e nossa santificação.
4. Mais um ponto podemos aprender das observações precedentes, mas é um ponto de tão grande importância, que torna perdoável sua mais cuidadosa e mais extensa consideração. Que deve alguém que ama as almas e sente-se compungido ante o fato de que pereça alguma delas, dizer a quem ele veja quebrando o domingo, ou em embriaguez, ou em qualquer outro pecado voluntário? Que pode ele quiser, se as precedentes observações forem verdadeiras, senão isto: "Deves nascer de novo"? "Não" – diz o homem zeloso – "isto não pode ser; como podes falar assim, descaridosamente, ao homem? Não já foi ele batizado? Não pode agora nascer outra vez!" Não pode ele, nascer outra vez? Afirmas isto? Então ele não pode ser salvo. Embora seja tão velho quanto o era Nicodemos, "se não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus". Portanto, dizendo tu: "Ele não pode nascer de novo", tu de fato o entregas à perdição. E onde agora está a falta de caridade? De meu lado ou do teu? Eu digo: ele precisa nascer outra vez e tornar-se deste modo herdeiro da salvação. Tu dizes: "Ele não pode nascer de novo": e, se assim for, deve inevitavelmente perecer! Assim obstruis inteiramente seu caminho rumo à salvação, e o envias ao inferno
por simples caridade! Mas talvez o próprio pecador, a quem, por verdadeira caridade, dizemos: "Tens necessidade de nascer de novo", tenha sido industriado a replicar: "Desafio vossa nova doutrina; não pre-ciso nascer de novo: nasci outra vez quando fui batizado. Pretenderíeis então negar meu batismo?" Respondo, primeiro, que nada há debaixo do céu que possa desculpar a mentira; se assim não fosse: eu diria a um tão ostensivo pecador: "Se foste batizado, não o proclames. Porque, quão profundamente isto te agrava a culpa! Como te aumentará a condenação! Foste dedicado a Deus ao oitavo dia de vida, e passaste todos esses anos a dedicar-te ao diabo? Foste, antes mesmo que tivesses uso da razão, consagrado a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo – e desde que alcançaste o uso da razão fugiste
da face de Deus e te consagraste a Satanás? A abominação da desolação – o amor do mundo, o orgulho, a ira, a cobiça, os desejos insensatos e todo o cortejo de afeições vis – não está onde não deveria estar? Entronizaste todas essas coisas malditas naquela alma que uma vez foi templo do Espírito Santo, separada para ser "habitação de Deus através do Espírito Santo"; sim, dada solenemente a Ele? E ajuda te glorias nisto, no fato de teres uma vez pertencido a Deus? Oh! Envergonha-te! Cora-te! Esconde-te no centro da terra! Nunca mais te gabes daquilo que devia encher-te de confusão, que devia envergonhar-te diante de Deus e diante dos homens!" Respondo, em segundo lugar: Tu já negaste teu batismo, e isto da maneira mais completa. Negaste-o mil e mil vezes, e ainda o fazes dia após dia. Porque no ato de teu batismo renunciaste ao diabo e a todas as suas obras. Toda vez, pois, que outra vez dás lugar a ele, toda vez que praticas alguma obra .do diabo, estás negando teu batismo. Deste modo tu o negas através de cada pecado voluntário, de cada ato de impurezas, bebedice ou vingança; de cada palavra obscena ou profana; de cada juramento que saia de teus lábios. Toda vez que profanas o dia do Senhor, negas teu batismo; sim, tu o negas toda vez que fazes a outrem aquilo que não quererias que te fizessem. Respondo, em terceiro lugar:
sejas batizado Ou não, "precisas nascer de novo"; de outro modo não é possível que sejas interiormente santo, e sem santidade interna e externa não podes ser feliz, nem neste mundo e menos ainda no mundo vindouro. Dizes: . "Pois não; mas eu não faço mal a ninguém; sou honesto e justo em todo: os meus atos: não praguejo e não tomo o nome do Senhor em vão; não calunio a meu próximo nem vivo em qualquer pecado voluntário!" Se assim é, mui para desejar é que todos os homens cheguem até onde chegaste. Mas deves ir ainda mais longe, ou não serás salvo: ainda "te é necessário nascer de novo". Acrescentas: "Vou ainda mais longe: porque não somente não faço mal, mas faço todo bem que posso". Duvido disso: temo que tenhas tido um milhar de oportunidades de fazer o bem e tenhas passado por elas sem as aproveitar, sendo, por esta causa, responsável diante de Deus. Mas, se tens aproveitado todas elas, se realmente tens feito todo o bem que terias possibilidade de fazer a todos os homens, ainda isto de modo algum altera o caso: ainda "te é necessário nascer de novo". Sem isto coisa alguma fará qualquer benefício à tua pobre alma poluída e pecaminosa. "Não, mas eu constantemente cumpro as ordenanças de Deus: apego-me à minha igreja e ao sacramento." Boa coisa fazes, mas tudo isso não te livrará do inferno, a não ser que sejas nascido de novo. Ir à igreja duas vezes por dia; ir à mesa do Senhor todas as semanas; fazer sempre
muita oração em particular; ouvir sempre sermões muito bons; ler muitoslivros devotos... ainda "te é necessário nascer de novo". Nenhuma daquelas coisas substituirá o novo nascimento; não, coisa alguma há debaixo do céu. Seja, pois, esta tua contínua oração, se já não experimentaste aquela graça interior de Deus: "Senhor, adiciona esta a todas as tuas bênçãos: permite-me nascer de novo! Nega-me tudo quanto for de teu agrado negar-me, mas não me negues isto: permite-me ser nascido de cima! Retira-me o que quer que te pareça bem retirar-me – reputação, fortuna, amigos, saúde – e dá-me somente isto: ser nascido do Espírito, ser contado entre os filhos de Deus! Permite-me nascer, não de semente corruptível, mas incorruptível, pela palavra de Deus, que vive e permanece para sempre; e então deixa-me diariamente crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador JesusCristo!"
John Wesley
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Pesquisa revela que uma grande porcentagem de pentecostais nunca falou em línguas
É errado concluir que o dom de línguas seja o dom sinal do batismo com Espírito Santo baseado no Livro de Atos que é um livro histórico e não doutrinário. A experiência de um ou outro não deve ser tomada como uma norma para todos os demais.
Quando em Atos lemos que pessoas falaram em línguas no momento de seu batismo com o Espírito Santo, deve-se observar tratarem-se sempre de grupos novos que precisaram de uma manifestação desta natureza para que viessem a ser reconhecidos como cristãos pelos apóstolos e demais líderes da igreja que, naquele período, em sua totalidade, eram judeus e não possuíam ainda um conceito claro do caráter universal da Igreja. Por esta razão, foi que Felipe, o diácono, não batizou os samaritanos convertidos, mas mandou chamar os apóstolos para que eles pudessem testificar com seu próprios olhos que o Espírito do Senhor estava regenerando também os samaritanos. O mesmo se deu com Pedro na casa de Cornélio, o romano. Deus precisou ser bem incisivo para que Pedro superasse todos os seus preconceitos contra os gentios, e fosse visitar a casa de um romano como Cornélio. Lembremos também que Pedro teve que se explicar muito diante dos demais apóstolos que o inquiriram a respeito de um fato tão inusitado e contrário a lei judaica. O fato de Cornélio ter falado em línguas serviu como argumento favorável de que o Evangelho era também para os gentios!
Bispo José Ildo Swartele de Mello
Batismo com o Espírito Santo e o dom de línguas
5 Lições sobre os dons do Espírito Santo
Batizados com água e com fogo!
Batismo com o Espírito Santo e o dom de línguas
Por Bispo José Ildo Swartele de Mello
Quanto ao Batismo com o Espírito Santo e ao dom de línguas há grande controvérsia devido à ignorância que já era comum mesmo nos dias do Novo Testamento (1 Co 12.1). À luz da Bíblia, vamos primeiramente analisar o batismo com o Espírito Santo para depois estudarmos a questão do dom de línguas.
O Apóstolo Paulo ensina que há um só batismo cristão (Ef 4.5). Existiam outros batismos praticados por judeus na época do Novo Testamento, como o de João, mas que não se enquadram na categoria de batismo cristão. Não devemos confundir o batismo de João com o batismo cristão. A igreja cristã não pratica o batismo de João, mas apenas o único batismo cristão que é o do Senhor Jesus Cristo. De modo que os discípulos de João, quando aceitavam a Cristo, precisavam ser novamente batizados em nome do Senhor Jesus: “Então, Paulo perguntou: Em que, pois, fostes batizados? Responderam: No batismo de João. Disse-lhes Paulo: João realizou batismo de arrependimento, dizendo ao povo que cresse naquele que vinha depois dele, a saber, em Jesus. Eles, tendo ouvido isto, foram batizados em o nome do Senhor Jesus” (At 19.3-5).
Quais seriam as diferanças entre o batismo de João e o de Jesus?
Portanto, a vida cristã é uma vida gerada pelo Espírito para ser vivida no poder deste mesmo Espírito: "Se vivemos pelo Espírito, andemos também no Espírito". É pelo Espírito Santo que somos habilitados a reconhecer e confessar que Jesus é Senhor (1 Co 12.1), e é também nele que os cristão são batizados no corpo de Cristo (1 Co 12.13). "Se alguém não tem o Espírito de Cristo, este tal não é dEle" (Rm 8.9). É o Espírito Santo que testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm 8.16; Gl 4.5-6).
O batismo cristão é feito "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28.19). A Bíblia ensina que os cristãos são templos do Espírito (1 Co 6.19). Jesus disse que os crentes não ficariam órfãos (Jo 14.18), Ele disse que estaria sempre com eles até a consumação dos séculos (Mt 28.20). Jesus afirmou que o Pai e Ele viriam e fariam morada nos cristãos (Jo 14.23). Paulo ensina que isto se dá através do Espírito: “no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus no Espírito” (Ef 2.22). E Jesus cumpre a Sua promessa enviando o Consolador: "E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre conosco" (Jo 14.16).
Portanto, não existem dois batismos cristãos, um nas águas e outro com o Espírito. O batismo de Jesus inclui a ambos, ou seja, implica no lavar regenerador da água e do Espírito Santo (Tt 3.5). Não devemos também confundir o batismo com Espírito Santo com a plenitude do Espírito. Pois batismo só existe um (Ef 4.5) e a plenitude pode ser experimentada em diversas ocasiões da vida (Ef 5.18). Alguém pode facilmente cometer o equivoco de denominar de Batismo com Espirito Santo uma autêntica experiência de plenitude do Espírito tida num momento posterior a sua conversão, onde dons também podem ter sido comunicados. A mudança de nomenclatura não altera o valor da experiência, que permanece preciosa para o indivíduo.
Depois de Pentecostes, não encontramos nenhuma exortação para que cristãos busquem o batismo com Espírito Santo, mas encontramos algumas passagens que exortam os cristãos a se encherem do Espírito (Ef. 5.18; Gl 5.16; 1 Ts 5.19; Ef 4.30). Os apóstolos não exortavam os cristãos a buscarem o batismo com o Espírito Santo, pois era inconcebível a ideia da existência de um cristão sem o Espírito de Deus (Rm 8.9). O cristão é filho de Deus e não existe filiação parcial, pois a graça é total. Não há cristãos pela metade, mas completos, tornados justos pela obra de Jesus e incorporados na comunhão dos santos, desfrutando de todos as bênçãos e privilégios do Evangelho. “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo (Ef 1:3)!
“Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes”. (1 Co 12:1)
Não tem base bíblica os que ensinam que os dons do Espírito eram apenas para o período apostólico visando o estabelecimento da igreja, pois a Bíblia ensina que os dons existem para a expansão e edificação do Corpo de Cristo, como diz Paulo em 1 Coríntios 14:12: "Assim, também vós, visto que desejais dons espirituais, procurai progredir, para a edificação da igreja". E a edificação da igreja é um processo contínuo até a Segunda Vinda de Cristo.
Por outro lado, os pentecostais estão equivocados quando ensinam que o dom de línguas é o dom sinal do batismo com Espírito Santo, pois eles próprios não possuem os dons e sinais manifestados no dia de Pentecostes. Sim, não possuem os mesmos sinais do Pentecostes, pois no momento do derramamento do Espírito sobre os 120 cristãos que estavam reunidos no cenáculo, foi ouvido um som como de um vento impetuoso, foram vistas línguas como de fogo pousando sobre a cabeça de cada pessoa ali presente e, por fim, todos passaram a falar em outros idiomas, ou seja, em línguas estrangeiras, tanto que, ao saírem do cenáculo, tais idiomas foram compreendidos por pessoas provenientes de distintas partes do mundo.
No dia de Pentecostes, nasce a Igreja, falando todas as línguas para alcançar todos os povos, melhor que isto, todos os estrangeiros ali presentes entendiam a mensagem em sua própria língua materna, o que denota um fenômeno reverso daquele da Torre de Babel. Sinal dos Tempos! Sinal da vocação universal da Igreja. As nações originadas e dividas na maldição de Babel (Gn 11), são benditas através do descendente de Abrão (Gn 12), Jesus Cristo, o Rei das Nações, que promove entendimento, unidade e paz.
Portanto, estes 3 sinais existiram como um marco histórico do cumprimento da promessa do derramamento do Espírito e do nascimento da Igreja. Podemos afirmar que tais sinais foram e permanecem inéditos. Jamais se teve notícia de que tenham sido reproduzidos do modo como aconteceu em Pentecostes.
No entanto, em Atos 2, existe ainda outro grupo de discípulos, os 3 mil, que se converteram e que também foram batizados com o Espírito, mas nada é dito sobre terem falado em línguas, ou sobre ter sido ouvido um barulho como de um vento impetuoso, ou ainda sobre terem sido vistas labaredas de fogo pousando sobre as cabeças no momento do Batismo. Mas outros sinais são mencionados como características da presença e ação do Espírito Santo, tais como perseverança na sã doutrina, comunhão em amor, singeleza de coração e evangelização. Tais sinais, sim, devem estar presentes na vida cristã cheia do Espírito.
Existe também no Novo Testamento a referência a outra espécie de dom de línguas, distinta do fenômeno de Atos 2. Paulo menciona o dom de falar línguas estranhas, talvez angelicais (1 Co 13.1), que necessitam o dom espiritual de interpretação para serem compreendidas (1 Co 12-14). Mas Paulo é claro ao dizer que este dom de falar em línguas estranhas, assim como outros dons ali mencionados, não são para todos os crentes, ou seja, nem todos falam em outras línguas. Veja a série de perguntas retóricas que ele faz em 1 Coríntios 12:30: “Têm todos o dom de curar? Falam todos diversas línguas? Interpretam todos?” Obviamente que, para cada uma destas perguntas, a resposta é a mesma, ou seja, não! Não, nem todos tem o dom de curar. Não, nem todos falam em outras línguas. Não, nem todos tem o dom de interpretar Sendo assim, já que nem todos falam em línguas, como pode subsistir o ensino de que falar em línguas é o indispensável sinal do Batismo com o Espírito Santo?
No mesmo capítulo em que Paulo ensina que nem todos falam em línguas, ele também afirma que todos da igreja de Corinto, sem exceção, foram batizados em um só Espírito no Corpo de Cristo (1 Co 12.13). Todos foram batizados com o Espírito Santo, mas nem todos falaram em línguas (1 Co 12.30). Não deveria haver divisão na igreja por causa dos dons. Ninguém deve ser desprezado por não possuir determinado dom. E ninguém deve se sentir diminuído por não falar em línguas. Pois, não importa que dom a pessoa recebeu, porque o importante é saber que o mesmo Espírito é a fonte de todos os dons. “Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo” (1 Co 12:4). “Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo?” (1 Co 12:15). “Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, individualmente” (1Co 12:11).
No Pentecostes, cumprisse a promessa do Pai através do derramamento do Espírito sobre a Igreja. E é através do Espírito que alguém é batizado e inserido no Corpo de Cristo que é a Igreja (1Co 12.13). O batismo é ritual de iniciação. É apenas o começo e não o ápice de nossa caminhada cristã. No batismo no Espírito, nascemos para uma nova vida, e graças são comunicadas para que o crente possa viver em novidade de vida, expressando as virtudes de sua nova natureza. É o Espírito quem capacita o cristão a ser testemunha de Cristo. É através dos frutos Espírito que os cristãos são conhecidos (Mt 7.20) e não por qualquer dom em especial, pois a posse do mais extraordinário dos dons sem o fruto do amor não tem nenhum valor algum aos olhos de Deus (1 Co 13). Os falsos profetas não podem ser desmascarados se o critério de avaliação for a posse e o exercício dos dons, pois eles também parecem possuir muitos dons, como, por exemplo, o de profetizar. Jesus advertiu também dizendo: “Muitos me dirão naquele Dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E, em teu nome, não expulsamos demônios? E, em teu nome, não fizemos muitas maravilhas? E, então, lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade” (Mt 7.22-23). Por isto também exorta o Apóstolo João: “Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo” (1 Jo 4:1). E Paulo igualmente orienta a igreja, dizendo: “E falem dois ou três profetas, e os outros julguem” (1Co 14:29). “Irmãos, não sejais meninos no juízo; na malícia, sim, sede crianças; quanto ao juízo, sede homens amadurecidos” (1Co 14:20). “Acautelai-vos dos falsos profetas que se vos apresentam disfarçados em ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores (Mt 7:15). “Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas e farão tão grandes sinais e prodígios, que, se possível fora, enganariam até os escolhidos” (Mt 24:24). Portanto, devemos ser muito criteriosos, pois os falsos profetas espertamente se aproveitam da ignorância, da imprudência e da ingenuidade do povo de Deus.
Desejando saber mais sobre o assunto, sugiro a leitura dos seguintes estudos:
- Pesquisa revela que uma grande porcentagem de pentecostais nunca falou em línguas
- 5 Lições sobre os dons do Espírito Santo
- Batizados com água e com fogo!
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
A igreja é como fogo
A Igreja não existe para si mesma. Ela jamais deve ser uma comunidade fechada, ensimesmada, de costas para os de fora, pois seu propósito maior é servir como sal da terra e luz do mundo.
Batismo Infantil
Batismo Infantil
“Deixai vir a mim os pequeninos!”
“Quanto a todas as opiniões que não danificam as raízes do cristianismo, nós pensamos e deixamos pensar.” — John Wesley
“No essencial, unidade; no não essencial, liberdade; em tudo, caridade.” — Frase tradicional, comumente atribuída a Agostinho; difundida por Rupertus Meldenius (1626).
Por Bispo José Ildo Swartele de Mello
Por que privar as crianças do batismo?
O batismo é o sinal da nova aliança da graça, assim como a circuncisão foi o sinal da antiga aliança. Se cremos que as crianças estão incluídas na redenção, faz sentido permitir que sejam batizadas a pedido dos pais ou tutores, que se comprometem a oferecer a elas uma formação cristã adequada. Mais tarde, quando chegarem à idade de compreender sua fé, essas crianças batizadas deverão reafirmar o voto do batismo por elas mesmas.
Vale lembrar que o batismo não é, em primeiro lugar, um sinal do arrependimento e da fé de quem o recebe, mas da aliança e da obra de salvação de Cristo, realizada na Cruz. Essa obra vicária precisa ser anunciada a todos, e o sinal (e selo) do batismo pode ser estendido não apenas àqueles que já responderam positivamente a ela, mas também aos filhos desses crentes, que estão sendo criados num ambiente cristão e aprendendo sobre o que Deus realizou de uma vez por todas em Cristo — algo totalmente suficiente.
O batismo simboliza também a ação regeneradora do Espírito Santo (Tt 3.5). O Espírito é soberano (Jo 3.8) e muitas vezes atua antes mesmo de percebermos, sem depender, necessariamente, de nossa compreensão daquele momento. Afinal, o Espírito convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8) e não despreza a mente dos pequeninos. João Batista, por exemplo, foi movido pelo Espírito ainda no ventre de Isabel, quando ela foi visitada por Maria, grávida de Jesus: “Ao ouvir a saudação de Maria, a criança se agitou no ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo” (Lc 1.41).
Jesus ensinou que até mesmo as criancinhas, inclusive as que ainda mamam, podem oferecer um louvor perfeito a Deus: “Ouves o que estes estão dizendo? Respondeu-lhes Jesus: Sim; nunca lestes: Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor?” (Mt 21.16).
Fundamentos Bíblicos: O Princípio da Inclusão Pactual
A base bíblica para o Batismo Infantil reside no princípio da continuidade da Aliança da Graça, que sempre incluiu os filhos na comunidade da fé. O Novo Testamento mantém e aperfeiçoa essa lógica, não a revoga.
O Padrão Pactual: Família e Sinal
A história da salvação mostra que Deus lida consistentemente com famílias inteiras, e não apenas com indivíduos isolados, marcando-as com o sinal de Sua aliança:
- Circuncisão e Batismo: No Antigo Testamento, a circuncisão (Gn 17.11) foi dada a Abraão como selo da justiça da fé (Rm 4.11) e foi aplicada aos infantes. O batismo cristão é o correspondente desse sinal na Nova Aliança, sendo chamado por Paulo de "circuncisão de Cristo" (Cl 2.11–12), sustentando a lógica de continuidade da pertença ao povo de Deus.
- Prefigurações Coletivas: As prefigurações do batismo no AT envolveram o povo em comunidade:
- Noé e toda a sua casa foram salvos pela arca (1Pe 3.20-21).
- Todo Israel, incluindo crianças, foi "batizado em Moisés" ao passar pelo Mar Vermelho (1Co 10.1–2), um grande ato de redenção que antecipa o batismo.
- O sangue foi aspergido sobre todo o povo, incluindo crianças (Hb 9.19) na ratificação da aliança.
- Compromisso Familiar: A aliança mosaica convocava adultos e "vossos meninos" a estarem diante de Deus (Dt 29.10–12). O ideal da fé doméstica é expresso na confissão de Josué: "Eu e a minha casa serviremos ao Senhor"(Js 24.15).
O Sinal de Proteção na Páscoa
O episódio da Páscoa no Êxodo reforça a importância do sinal da aliança para a proteção familiar. A obediência dos pais em aspergir o sangue do cordeiro nos umbrais das portas garantiu a salvação dos seus primogênitos. Isso demonstra que a fé e a obediência dos pais a um mandamento de Deus inserem os filhos no âmbito da proteção divina, enfatizando que o batismo é um selo da promessa de Deus e não um rito meramente simbólico.
A Inclusão na Nova Aliança
A Nova Aliança, sendo superior, não restringe, mas confirma a inclusão dos filhos, dando-lhes o sinal do batismo:
· Promessa para os Filhos: Pedro declara explicitamente que a promessa do Espírito e da aliança é "para vós e para os vossos filhos" (At 2.38–39).
· Filhos "Santos": Paulo ensina que os filhos de pelo menos um dos pais crentes são "santos" (1Co 7.14), ou seja, separados e pertencentes ao povo visível da aliança, e por isso têm direito ao sinal.
· Batismos de Famílias: O registro de batismos de casas inteiras — Lídia (At 16.15), o carcereiro de Filipos (At 16.32–33), Crispo (At 18.8) e Estéfanas (1Co 1.16) — coaduna-se com o princípio pactual familiar. A salvação, muitas vezes, é declarada à "casa", como no caso de Zaqueu (Lc 19.9) ou do carcereiro (At 16.31).
· O Exemplo de Jesus: Jesus não apenas acolhe as crianças, mas as coloca no centro do Seu Reino. Traziam-Lhe "bebês/infantes" (), e Ele os abençoou, afirmando que "dos tais é o Reino de Deus" (Lc 18.15–17). Ele ainda atesta o "perfeito louvor" que sai da boca dos pequeninos (Mt 21.16), e João Batista foi cheio do Espírito Santo ainda no ventre (Lc 1.41), confirmando que a ação regeneradora do Espírito não depende da plena consciência.
· Bênçãos Pela Fé dos Pais: O Novo Testamento reforça o princípio de que a fé dos pais opera em favor dos filhos, como nos exemplos de curas e ressurreições (filha de Jairo, filho epilético, filho da viúva de Naim, filho do oficial de Cafarnaum).
A misericórdia do Senhor se estende "sobre os filhos dos filhos" (Sl 103.17), estabelecendo um padrão de graça que se manifesta, na Nova Aliança, através do sinal do Batismo.
Testemunho da Igreja antiga
Os primeiros testemunhos explícitos de batismo de crianças aparecem no início do séc. III. 1) Tradição Apostólica (c. 215): “as crianças serão batizadas primeiro… as que não puderem responder, que os pais respondam por elas”. 2) Tertuliano (De bapt. 18): reconhece a prática, mas recomenda adiar por cautela pastoral — o que atesta sua existência. 3) Orígenes: a Igreja recebeu dos apóstolos a tradição de batizar também os recém-nascidos (Hom. Lev. 8.3; Com. Rm. 5.9). 4) Cipriano e o Sínodo (253): decide não esperar o 8º dia; batizar o quanto antes. 5) Concílio de Cartago (418): canoneia que os infantes são batizados para remissão dos pecados.3 4 5 6 7
Nota sobre o modo: a Didaquê (7.1–3) prevê imersão preferencial, e, quando não possível, derramar água três vezes sobre a cabeça em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo — legitimando a efusão/aspersão.8
Tradição Protestante
É importante lembrar que Lutero, Calvino e Zwinglio — os três grandes reformadores — jamais foram rebatizados. Todos foram batizados ainda na infância e rejeitaram firmemente a ideia do rebatismo, considerando-a uma negação da eficácia da graça divina e do caráter único do batismo cristão.
Esses líderes, embora divergentes em diversos pontos teológicos, concordaram quanto à legitimidade e à necessidade do batismo infantil, por o entenderem como sinal da aliança e meio de graça.
Martinho Lutero, em sua Catequese Maior, descreve o batismo como um ato em que Deus age objetivamente, selando sua promessa, independentemente da idade do batizando.
João Calvino, nas Institutas (4.16), fundamenta o batismo infantil no argumento pactual: assim como os filhos eram incluídos na aliança através da circuncisão, devem agora ser incluídos por meio do batismo, o sinal da nova aliança.
Ulrico Zwinglio também reconheceu o batismo de crianças como sinal de pertencimento ao povo de Deus, em continuidade com a fé do Antigo Testamento.
Essa mesma compreensão foi herdada pelas principais confissões da Reforma:
O Catecismo de Heidelberg (Pergunta 74) declara que as crianças “devem ser batizadas, porque pertencem à aliança e ao povo de Deus”.
Os 39 Artigos da Religião da Igreja Anglicana (Artigo 27) afirmam que “o batismo de crianças deve ser de todo retido na Igreja, como inteiramente conforme à instituição de Cristo”.
John Wesley, seguindo essa tradição reformada e católica antiga, considerava o batismo um sacramento iniciatório e meio de graça, pelo qual a criança é recebida na comunidade da fé e colocada sob a influência santificadora do Espírito Santo.
Assim, tanto os reformadores do século XVI quanto os movimentos posteriores — luteranos, reformados, anglicanos e metodistas — mantiveram o batismo infantil como prática legítima e bíblica, rejeitando qualquer rebatismo como desnecessário e contrário ao princípio de “um só batismo” (Ef 4.5). 9 10 11 12
Respostas às objeções
“Mas não há mandamento explícito para batizar bebês.”
De fato, não há um mandamento direto dizendo: “batizai também os vossos filhos pequenos.” No entanto, também não há mandamento para excluí-los da Igreja visível — e isso, sim, representaria uma ruptura drástica com o Antigo Testamento, no qual os filhos dos crentes sempre fizeram parte do povo de Deus e recebiam o sinal da aliança (Gn 17.7–12).
O Novo Testamento nunca revoga esse princípio de inclusão; pelo contrário, o reafirma claramente: “A promessa é para vós e para vossos filhos” (At 2.39). A ausência de uma nova proibição não indica exclusão, mas continuidade da economia da graça. A Igreja do Novo Testamento é a mesma comunidade da aliança, agora ampliada e aperfeiçoada em Cristo.
“Mas o batismo requer arrependimento e fé.”
Textos como Mc 16.16, At 2.38 ou At 8.37 falam da primeira geração de convertidos, ou seja, adultos chamados pela primeira vez à fé cristã. Nesses casos, a conversão naturalmente precede o batismo. Contudo, quando o Evangelho alcança famílias inteiras, o padrão bíblico mostra casa e fé unidas (At 16.15, 33; 1Co 1.16), sem qualquer exclusão explícita das crianças.
A ordem teológica da graça é constante:
1. A graça de Deus precede (iniciativa divina);
2. O sinal do batismo marca a pertença à aliança;
3. A fé responde — no adulto, antes do batismo; na criança, depois, no contexto do discipulado e da educação cristã.
Essa lógica expressa a visão pactual: o batismo é sinal da entrada na aliança, assim como a circuncisão foi no antigo pacto (Cl 2.11–12). Deus age primeiro, e a resposta humana vem no tempo oportuno.
“Mas Jesus foi batizado adulto, e não bebê.”
É verdade, mas o batismo de Jesus não foi um batismo cristão. Ele foi batizado por João, num rito de arrependimento que antecedeu a cruz e a ressurreição. O batismo cristão, porém, é ministrado “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28.19) e representa a graça da Nova Aliança.
Além disso, o batismo de Jesus teve um propósito singular: inaugurar seu ministério messiânico e identificar-se com os pecadores. Não foi um modelo de idade para o batismo cristão. As crianças, por sua vez, são batizadas não por arrependimento pessoal, mas com base na promessa da graça que as insere no povo de Deus.
“Mas não há exemplo de batismo infantil no Novo Testamento.”
Também não há exemplo de exclusão das crianças. Pelo contrário, há fortes indícios de sua inclusão: expressões como “ele e toda a sua casa” (At 16.15, 33; 1Co 1.16) eram fórmulas familiares na cultura hebraica e greco-romana, abrangendo todos os membros do lar — inclusive filhos e servos.
Se no Antigo Testamento as crianças recebiam o sinal da aliança, seria impensável que uma aliança mais ampla e graciosa as deixasse de fora. A ausência de proibição e a clara continuidade pactual constituem forte evidência de que a prática do batismo infantil remonta aos tempos apostólicos.
Além disso, o testemunho patrístico confirma essa prática:
· Orígenes afirma que era uma tradição apostólica (Comentário sobre Romanos V.9).
· Cipriano de Cartago e o Concílio de Cartago (Epístola 64) endossam a prática.
Esse consenso histórico reforça a leitura bíblica da continuidade da aliança.
“Mas uma criança não pode ter fé.”
Nas Escrituras, a fé é antes de tudo um dom da graça (Ef 2.8). Deus pode agir no coração humano antes mesmo da plena consciência. João Batista “alegrou-se no ventre” (Lc 1.41), e Jesus declarou: “das crianças é o Reino de Deus” (Mc 10.14). A fé infantil é potencial, mas real, sustentada pela comunidade de fé que ora, ensina e conduz a criança ao amadurecimento espiritual.
O batismo, portanto, não substitui a conversão pessoal, mas a antecipa como promessa da graça que será confirmada pela fé. Por isso, na tradição reformada e metodista, o batismo infantil é seguido, na juventude, de uma profissão pública de fé, quando o batizado confirma conscientemente as promessas feitas no início de sua caminhada.
Conclusão
As objeções ao batismo infantil geralmente partem da suposição de que o batismo é apenas um testemunho humano de fé. A teologia bíblica, no entanto, revela o contrário: o batismo é primeiramente um ato da graça divina — sinal da aliança de Deus antes de ser resposta humana.
A fé dos pais, a promessa de Deus e a comunhão da Igreja sustentam a criança até o momento em que ela mesma possa confessar conscientemente o Cristo em quem já foi selada. Assim, longe de ser uma inovação, o batismo infantil é expressão da fidelidade de Deus de geração em geração, conforme o padrão pactual revelado nas Escrituras.
Diretrizes pastorais
1) Votos e catequese — Pais/padrinhos prometem discipular: culto no lar (Dt 6.6–7), oração, Escrituras, vida congregacional, classes de catecúmenos.
2) Confirmação — Ao atingir maturidade, o batizado professa publicamente a fé (confirma o “amém” que a Igreja pronunciou).
3) Disciplina e esperança — O batismo não é amuleto. Se houver afastamento, o sinal permanece como testemunho chamando ao retorno.
4) Modo e forma — Imersão, efusão/aspersão são legítimas; a Didaquê já prevê derramar quando necessário. Use água e a fórmula trinitária.
Textos bíblicos-chave
Os seguintes textos formam a base doutrinária da compreensão cristã do batismo, especialmente em sua dimensão pactual e graciosa, mostrando tanto o mandato divino quanto o princípio de inclusão dos filhos dos crentes na comunidade da fé.
Mateus 28.19–20
“Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que tenho ordenado a vocês.”
O mandato batismal é universal e missionário. O batismo é o sinal visível da entrada na comunidade discipular, a Igreja. A ordem “batizar e ensinar” mostra que o ensino pode seguir o batismo, o que é plenamente coerente com o batismo infantil, em que a criança é batizada primeiro e instruída depois, dentro do processo contínuo do discipulado.
Atos 2.38–39
“Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos seus pecados, e vocês receberão o dom do Espírito Santo. Porque a promessa é para vocês e para os seus filhos...”
Pedro declara que o batismo é o sinal da promessa da aliança, e essa promessa é explicitamente para os crentes e seus filhos. Assim como os filhos de Abraão recebiam o sinal da aliança no Antigo Testamento, os filhos dos crentes no Novo Testamento também estão sob as promessas de Deus. A aliança não se estreita com Cristo — ela se amplia.
1 Coríntios 7.14
“Porque o marido descrente é santificado pela mulher crente, e a mulher descrente é santificada pelo marido crente; de outra sorte, os vossos filhos seriam impuros, mas agora são santos.”
Paulo afirma que os filhos dos crentes são santos, isto é, separados para Deus e pertencentes à comunidade da aliança. Sendo santos, devem receber o sinal da santidade — o batismo — assim como os filhos de Israel recebiam a circuncisão. O apóstolo reforça aqui o princípio pactual de que a fé dos pais consagra a casa inteira (cf. Js 24.15).
Colossenses 2.11–12
“Nele também vocês foram circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojar do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo, tendo sido sepultados juntamente com ele no batismo...”
Calvino observou com acerto que este texto é decisivo para compreender o batismo infantil. O apóstolo liga circuncisão e batismo como sinais equivalentes de uma mesma graça pactual. A circuncisão, aplicada aos filhos dos crentes no antigo pacto, é substituída pelo batismo, sinal da nova aliança. Negar o batismo às crianças dos crentes seria romper a continuidade da aliança que Deus mesmo estabeleceu.
Tito 3.5
“Ele nos salvou, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia, mediante o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo.”
O batismo é aqui descrito como lavar regenerador, expressão da graça preveniente que age antes de qualquer mérito humano. A salvação é dom de Deus, e o batismo é o sinal visível dessa misericórdia. Essa verdade se aplica igualmente às crianças, que ainda não podem realizar “obras de justiça”, mas podem ser alcançadas pela graça divina.
Lucas 18.15–17
“Traziam-lhe também as crianças, até os bebês, para que ele as tocasse... Jesus, porém, chamando-as para junto de si, disse: ‘Deixem vir a mim os pequeninos e não os impeçam, porque dos tais é o Reino de Deus.’”
Jesus não apenas acolhe as crianças, mas as coloca no centro da comunidade do Reino. A expressão “até os bebês” (βρέφη) mostra que Ele se refere também aos recém-nascidos. A advertência “não as impeçam” deve ecoar fortemente nas discussões sobre o batismo infantil. Se o Reino pertence a elas, não há razão para negar-lhes o sinal visível da pertença ao Reino.
Lucas 1.15,41 – João Batista cheio do Espírito no ventre
“Ele será cheio do Espírito Santo, ainda no ventre de sua mãe... e, quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança saltou no ventre.”
Esse episódio singular demonstra que o Espírito Santo pode agir em uma criança antes mesmo de seu nascimento. João Batista experimentou a presença e a ação do Espírito ainda no ventre materno — um exemplo notável da graça preveniente, pela qual Deus age antes da consciência ou da resposta humana.
Se o Espírito pôde encher João ainda não nascido, não há obstáculo teológico para crer que Deus possa agir também na vida dos pequeninos que recebem o batismo, selando-os com o sinal da promessa. Assim, a regeneração espiritual é obra soberana do Espírito, e o batismo é seu selo visível e comunitário (cf. Ef 2.8; Jo 3.8).
Mateus 21.16
“Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfeito louvor.”
Jesus cita o Salmo 8 para afirmar que as crianças têm lugar no culto e que delas procede “perfeito louvor”. Esse reconhecimento divino do louvor infantil reforça a ideia de que as crianças fazem parte do povo adorador e, portanto, devem receber o sinal da aliança.
1 Coríntios 10.1–2
“Porque não quero, irmãos, que vocês ignorem que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem e todos passaram pelo mar, e, em Moisés, todos foram batizados na nuvem e no mar.”
Toda a comunidade de Israel — inclusive crianças — foi “batizada em Moisés”, prefigurando o batismo cristão como sinal de identificação com o povo de Deus. Esse batismo coletivo no Êxodo reforça o caráter comunitário e não meramente individual do sacramento.
Deuteronômio 29.10–12
“Todos vocês estão hoje diante do Senhor, seu Deus... para entrar na aliança do Senhor, seu Deus, e no juramento que o Senhor, seu Deus, faz com vocês hoje.”
A aliança mosaica incluía todas as gerações e idades: homens, mulheres, crianças e estrangeiros. Ninguém estava fora da comunhão do povo de Deus. O princípio é o mesmo da nova aliança: Deus estabelece pacto com famílias inteiras, incluindo os filhos.
Josué 24.15
“Eu e a minha casa serviremos ao Senhor.”
A confissão de Josué expressa o ideal da fé doméstica: o chefe da família consagra toda a casa ao serviço de Deus. O batismo de famílias inteiras no Novo Testamento (At 16.15,33; 1Co 1.16) é o prolongamento natural dessa consciência comunitária da fé.
Síntese
Esses textos, lidos em conjunto, revelam uma linha teológica clara e contínua:
- O batismo é mandato de Cristo e sinal de discipulado (Mt 28.19–20);
- É sinal da promessa da aliança que alcança também os filhos (At 2.39);
- As famílias crentes pertencem integralmente à aliança (1Co 7.14; Js 24.15);
- O batismo substitui a circuncisão como sinal pactual (Cl 2.11–12);
- É lavar regenerador do Espírito Santo (Tt 3.5);
- As crianças são acolhidas por Cristo e cheias do Espírito (Lc 1.15,41; 18.15–17);
- E a aliança de Deus sempre abrangeu o povo inteiro, sem exclusão das crianças (1Co 10.1–2; Dt 29.10–12).
Assim, negar o batismo infantil seria romper o fio de continuidade da aliança divina e restringir a graça que, desde Abraão até Cristo, sempre alcançou as gerações dos que creem.
Conclusão
À luz das Escrituras Sagradas, da continuidade pactual, do acolhimento de Jesus aos pequeninos, da promessa que se estende “a vós e a vossos filhos”, do uso antigo e universal da Igreja e de um caminho pastoral sólido (votos + discipulado + confirmação), o batismo de crianças é bíblico, eclesial e prudente. Ele honra a primazia da graça e convoca a resposta pessoal de fé — não a dispensa.
Anexo — Livro de Disciplina (IMeL)
A disciplina da Igreja Metodista Livre no Brasil acolhe o batismo de crianças, exigindo posterior profissão de fé antes da admissão como membros plenos. A numeração de parágrafos varia por edição; consulte a edição brasileira vigente.13
Notas Finais (referências)
1. John Wesley, “A Treatise on Baptism” (1756).
2. BDAG, s.v. βρέφος (brephos).
3. Tradição Apostólica de Hipólito, cap. 21 (edições: Alistair Stewart; ou Bradshaw/Johnson/Phillips).
4. Tertuliano, De baptismo, 18 (ANF).
5. Orígenes, Homilias sobre Levítico 8.3; Comentário a Romanos 5.9.
6. Cipriano de Cartago, Epístola 64 (a Fido).
7. Concílio de Cartago (418), Cânon 2 (contra os pelagianos).
8. Didaché 7.1–3, em Michael W. Holmes (ed.), The Apostolic Fathers: Greek Texts and English Translations (Baker).
9. João Calvino, Institutas da Religião Cristã, IV.16.
10. Catecismo de Heidelberg, Pergunta 74.
11. Trinta e Nove Artigos, Artigo 27.
12. John Wesley, “A Treatise on Baptism”.
13. Livro de Disciplina da Igreja Metodista Livre (edição brasileira vigente).
Sugestão sobre como realizar o batismo infantil
1) Acolhida e propósito
Irmãos, o batismo é sinal da graça de Deus e da nossa entrada no povo da nova aliança (Mt 28.19; At 2.39). Cremos que Cristo acolhe as crianças e as coloca no centro do Reino (Mc 10.14–16). Hoje pedimos que esta graça marque a vida de [Nome da criança], enquanto nos comprometemos a discipulá-la para que, a seu tempo, professe pessoalmente a fé em Jesus (Rm 10.9; Ef 6.4).
2) Palavra breve
• A salvação é pela graça mediante a fé (Ef 2.8–9); o batismo é sinal dessa graça e nos vincula à comunidade de Cristo (Rm 6.3–4).
• À família cabe ensinar e modelar a fé no cotidiano (Dt 6.6–7; Ef 6.4).
• À igreja, acolher, ensinar e testemunhar (Mt 5.16; At 2.42).
3) Perguntas aos pais/responsáveis
1. Vocês recebem de Deus este(a) filh(a) como dádiva e pedem o batismo confiando na graça de Cristo, comprometendo-se a guiá-lo(a) à fé pessoal e à futura profissão de fé? (At 2.39; Rm 10.9)
*Pais: Sim, com a ajuda de Deus.
2. Prometem orar por [Nome], ensiná-lo(a) nas Escrituras, no culto doméstico e na comunhão da igreja, conduzindo-o(a) a amar e obedecer a Jesus? (Dt 6.6–7; Ef 6.4)
*Pais: Sim, com a ajuda de Deus.
3. Prometem dar *bom exemplo* de vida cristã — arrependendo-se quando falharem, praticando a justiça, a misericórdia e a fidelidade? (Mt 5.16; Mq 6.8)
*Pais: Sim, com a ajuda de Deus.
4. Renunciam ao mal e às obras das trevas e prometem resistir às tentações, confiando na graça que educa para a santidade? (Tt 2.11–12; Tg 4.7)
*Pais: Sim, com a ajuda de Deus.
4) Perguntas aos padrinhos/madrinhas
1. Vocês se comprometem a *apoiar* estes pais na educação cristã de [Nome], orando, acompanhando, aconselhando e sendo *referência* de discipulado?
*Padrinhos:* Sim, com a ajuda de Deus.
2. Prometem permanecer presentes nos marcos da fé desta criança e encorajá-la à futura confirmação/profissão de fé?
*Padrinhos:* Sim, com a ajuda de Deus.
5) Voto da igreja (congregação)
Como família de Deus, vocês recebem [Nome] e prometem acolher, orar e cooperar no discipulado desta criança, oferecendo ensino fiel e bom testemunho?
Igreja: Sim, com a ajuda de Deus.
6) Oração de consagração pelos pais, padrinhos e igreja
(Pastor(a) ora brevemente pedindo graça, sabedoria e perseverança — Ef 3.16–19.)
7) Oração sobre a água (breve)
Ó Deus da aliança, bendize esta água, para que, ao receber o sinal do batismo, [Nome] seja marcado(a) pela tua graça em Cristo, unido(a) ao teu povo e conduzido(a) ao novo viver do teu Espírito (Rm 6.3–4). Amém.
8) Chamada do nome
Qual é o nome desta criança?
(Pais respondem.)
[Nome], eu te batizo *em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.*
(Aí você aplica a água com as mãos ou fazendo uso de algum recipiente, conforme instruções: fluxo contínuo — enfatizando a unidade — ou três afusões — destacando as Pessoas da Trindade.)
9) Pós-batismo (opcional e breve)
• Oração final e apresentação à igreja:
Igreja, este é/esta é [Nome], nosso(a) novo(a) batizado(a). Caminhemos juntos para que ele(a) cresça na graça e no conhecimento do Senhor.
Leia também: Qual o método correto de Batismo: imersão, aspersão ou efusão?
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