terça-feira, 8 de julho de 2025

Espírito de Escravidão versus Espírito de Adoção - Romanos 8.15


Espírito de Escravidão versus Espírito de Adoção

Em Romanos 8.15, encontramos um contraste decisivo entre duas condições espirituais: o espírito de escravidão e o espírito de adoção. O primeiro gera medo, insegurança e sentimento de condenação; o segundo, por sua vez, produz liberdade, confiança e certeza do amor paternal de Deus.

Que espírito você tem? Você vive sob o peso da escravidão religiosa ou foi alcançado pela graça que o tornou filho de Deus? É possível estar presente na igreja, parecer livre, mas ainda ser dominado por um espírito de medo e servidão.


O Caso de John Wesley

Essa realidade se manifestou de forma clara na experiência de John Wesley antes de 24 de maio de 1738, quando ele teve seu coração aquecido pela graça de Deus. Wesley nasceu em um lar profundamente cristão: seu pai, Samuel Wesley, era pastor, e sua mãe, Susanna Wesley, uma notável educadora. Cresceu frequentando a igreja, sentiu-se vocacionado para o ministério, formou-se em Oxford e tornou-se pastor. Mais tarde, aceitou um chamado missionário para atuar na América do Norte.

Apesar de tudo isso, Wesley reconhecia que, até então, vivia sob um espírito de escravidão. Ele mesmo declarava que era escravo do medo. Chamava-se a si mesmo de “quase cristão”. Embora fosse pastor, ainda lhe faltava algo fundamental.

O que lhe faltava era o espírito de adoção. Wesley conhecia Deus como Senhor, mas não como Pai. No entanto, Jesus nos ensinou a orar dizendo: "Pai nosso que estás nos céus..." (Mt 6.9). Deus, em Cristo, não apenas nos salva: Ele nos adota como filhos.


“Quem me converterá?”

Durante sua viagem missionária, ao atravessar o oceano Atlântico, Wesley enfrentou uma violenta tempestade que ameaçava afundar o navio. Diante do perigo de morte, ele temeu. E por quê? Porque não tinha certeza da salvação. Interiormente, perguntava: “Quem me converterá?”

Aqueles que vivem sob o espírito de escravidão estão sempre inseguros, com medo de não agradar suficientemente a Deus, de serem rejeitados, de falharem. Vivem tentando merecer, e não conhecem a paz de quem foi aceito e perdoado.


O Testemunho dos Morávios

Durante aquela tempestade, Wesley encontrou-se com um grupo de crentes morávios. Diferente dele, eles não temiam a morte. Cantavam e louvavam com serenidade. E quando Wesley perguntou como podiam estar tão tranquilos, eles responderam: “Temos certeza da nossa salvação. Sabemos que pertencemos a Deus.”

Eles acrescentaram: “O Espírito de Deus testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8.16).

Wesley ficou profundamente impactado. Até as crianças estavam em paz, seguras na certeza da graça divina. Aquela cena o confrontou com a ausência dessa convicção em sua própria alma.


A Transformação de Wesley

Essa convicção, simples à primeira vista, é profundamente transformadora. Algum tempo depois, Wesley participou de uma reunião em Aldersgate, onde ouviu a leitura do prefácio de Lutero à epístola aos Romanos. E ali ele descreve que sentiu seu coração se aquecer. Pela primeira vez, teve plena certeza do perdão dos seus pecados. Sentiu-se aceito na família de Deus. Deixou de ser um servo temeroso para se tornar um filho amado.


A Figura do Pai

Falar sobre paternidade pode ser difícil para alguns, pois a imagem do pai terrestre pode estar distorcida por falhas, traumas ou ausências. No entanto, o Pai Celestial é diferente de qualquer referência humana. Ele é perfeito em amor, compaixão, fidelidade e santidade.

Ele é confiável. Seu amor é completo. Sua graça é suficiente. Seu perdão é abundante. E é essa percepção que nos dá segurança: a segurança do seu amor, da sua redenção, da sua bondade, da sua salvação.


O Contraste entre Servo e Filho

Wesley experimentou, enfim, a alegria da salvação. A alegria do perdão. A certeza do amor do Pai. A partir dessa compreensão, podemos identificar algumas diferenças marcantes entre a mentalidade de servo e a de filho.


1. Motivacão: medo ou amor?

A fé do tipo “servo” vive baseada no medo. O escravo serve por obrigação, por medo do castigo. Ele não tem escolha. Sua relação é baseada na imposição, na coerção. Muitos se relacionam com Deus apenas por temor. Se tirarmos o inferno da equação, talvez muitos deixassem a igreja. Qual é a verdadeira motivação: medo ou amor? Castigo ou gratidão? Juízo ou prazer de estar com Deus?

"No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo..." (1Jo 4.18)


2. Obediência: imposição ou prazer?

A obediência do servo é movida pelo dever; a do filho, pelo amor. Lembro-me do tempo em que namorava a Cristina: pegava três conduções para vê-la. A distância não me desanimava, nem o esforço me pesava. Pelo contrário, fazia tudo com alegria e entusiasmo, porque havia amor no coração. Agora, imagine se alguém me impusesse o mesmo trajeto como uma obrigação — pareceria um fardo. O que muda tudo é a motivação. Onde há amor, o peso se transforma em prazer.


3. Disposição interior: peso ou leveza?

Quem age por paixão, faz com alegria. Quem serve por medo, vive sobrecarregado. A geração que acampa para ver um artista não o faz por obrigação, mas por entusiasmo. Jesus disse: “O meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mt 11.30). Quando há amor, há leveza.


4. Visão de Deus: policial onipresente ou Pai?

Quem tem mentalidade de servo enxerga Deus como fiscal severo, prontos para punir. Mas o filho conhece o Pai. Sua presença é prazerosa, é segura, é amorosa.


5. Identidade espiritual: servidão ou herança?

O escravo não tem direitos. O filho é herdeiro de Deus e coerdeiro com Cristo (Rm 8.17). O servo vive com medo; o filho, com confiança.


6. Emoções predominantes: temor ou liberdade?

O servo vive sob culpa, ansiedade, angústia e opressão. O filho vive na liberdade do Espírito. “Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Co 3.17).


7. Estilo de vida: obrigação ou inspiração?

O servo segue regras sob pressão. O filho segue instrução com inspiração. Um vive por imposição; o outro, por relação.


8. Base da salvação: mérito ou graça?

Quem tem mentalidade de escravo vive buscando merecer. Vive em insegurança: “Será que já fiz o suficiente?”

Mas o filho vive na graça: “Pela graça vocês são salvos, mediante a fé... não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8–9).

As boas obras são fruto natural de quem é filho. O filho não faz o bem para ser aceito, mas porque já foi aceito e transformado.


9. Caminho espiritual: religiosidade ou novidade de vida?

O escravo caminha na religiosidade. Cumpre normas, mas não tem espontaneidade. Já o filho vive em novidade de vida (Rm 6.4). “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor!” (Sl 122.1). Essa alegria só é própria de quem vive como filho.


O Método de Deus: Cordas de Amor

Deus não nos atrai por força nem por violência, mas pelo seu Espírito (Zc 4.6). O método de Jesus sempre foi o amor. Ele disse: “E eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12.32). Seu convite é amoroso e livre: “Quem quiser, venha e beba de graça da água da vida” (Ap 22.17).

Ele não nos conduz com cabresto, como se fôssemos animais irracionais. “Não sejam como o cavalo ou a mula, que não têm entendimento e precisam de cabresto e freio para se conterem” (Sl 32.9).

Em Oséias, Deus declara: “Eu os atraí com cordas humanas, com laços de amor” (Os 11.4). A corda que Deus usa para nos alcançar é a do amor — não da imposição, mas da atração voluntária.


Liberdade e Relacionamento: Jesus e os Discípulos

Quando muitos deixavam Jesus, Ele perguntou aos discípulos: “Vocês também não querem ir embora?” (Jo 6.67). E Pedro respondeu: “Para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna” (Jo 6.68).

Ninguém os obrigava. Eles estavam ali espontaneamente. Tinham deixado tudo para segui-lo por amor. “Imediatamente deixaram as redes e o seguiram” (Mc 1.18).


O Filho Pródigo (Lucas 15)

Na parábola, o pai permite que o filho mais novo parta. Ele erra, sofre, fracassa. Mas ao voltar, arrependido, é recebido com abraço, beijo e festa (Lc 15.20–24). O pai não lança culpa, não acusa, não condena. Ele restaura a dignidade do filho e celebra seu retorno.

Esse é o evangelho. Essa é a salvação em Cristo.


A Graça que Restaura a Identidade

O filho, restaurado, poderia dizer: “Não mereço esse abraço, nem esse beijo, nem essa festa...” Mas o pai o trata com misericórdia. Ele agora carrega a marca da graça, é um filho batizado no amor. Passa a viver agradecido e confiante, com plena segurança.

Se ele foi acolhido quando estava perdido, quanto mais agora que retornou!


O Filho Mais Velho: A Mentalidade do Mérito

O filho mais velho não entendeu o coração do pai. Embora estivesse na casa, vivia com mentalidade de servo. Reclamou: “Eu te sirvo há tanto tempo e nunca ganhei uma festa, mas esse aí recebe tudo!” (Lc 15.29–30)

Quem vive tentando merecer o amor do Pai, torna-se orgulhoso e ressentido. Acredita que, por suas obras, é mais digno que os outros. E isso contamina seus relacionamentos.


João 8: A Mulher Adúltera e os Fariseus

Os fariseus levaram a Jesus uma mulher pega em adultério (Jo 8.3–5). Eles a queriam apedrejar. Mas Jesus respondeu: “Aquele que dentre vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra” (Jo 8.7). Um a um, foram embora.

Jesus então disse: “Mulher, onde estão os teus acusadores? Eu também não te condeno. Vai e não peques mais” (Jo 8.10–11).

Mesmo que ela merecesse condenação, Jesus a acolheu com graça.


A Intimidade dos Filhos

Filhos não pedem licença para sentar no colo do pai. Eles chegam com liberdade, com intimidade. É assim com os filhos e netos — e assim deve ser com os filhos de Deus.


Ousadia no Santo dos Santos

No Antigo Testamento, apenas o sumo sacerdote podia entrar no Santo dos Santos, uma vez por ano, com temor e com uma corda amarrada (Lv 16.2; Hb 9.7).

Mas agora, por causa da morte de Cristo, o véu foi rasgado (Mt 27.51), e temos ousadia para entrar na presença de Deus (Hb 10.19). Somos filhos! E como filhos, entramos com liberdade e confiança.


Conclusão: Como Está a Sua Relação com Deus?

Você tem certeza da salvação? “Porque vocês não receberam o espírito de escravidão, para viverem, outra vez, atemorizados, mas receberam o espírito de adoção, por meio do qual clamamos: Aba, Pai” (Rm 8.15).


Viva como filho, não como escravo. Deus nos tirou do império das trevas e nos transportou para o Reino do Filho do seu amor (Cl 1.13). “Se o Filho os libertar, vocês serão, de fato, livres” (Jo 8.36). “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32).


Você pode se aproximar de Deus e chamá-lo de Pai. Isso não é simbólico. É real. “A todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome” (Jo 1.12).


O Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus (Rm 8.16). E se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo (Rm 8.17).

Essa é a nossa segurança. Essa é a nossa herança. Essa é a nossa alegria!

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