terça-feira, 16 de setembro de 2025

Qualquer pessoa pode ministrar a Santa Ceia?

Qualquer pessoa pode ministrar a Santa Ceia?

Por Bispo Ildo Mello


Introdução

A pergunta “qualquer pessoa pode ministrar a Santa Ceia?” não é apenas de caráter prático, mas profundamente teológica, eclesiológica e pastoral. Instituída por Cristo e confiada primeiramente aos apóstolos, a Ceia é sacramento, sinal visível da graça invisível, meio de comunhão com o Senhor e expressão da unidade da Igreja.

Trata-se de um tema que exige:

  1. Exame das Escrituras (fundamento normativo da fé).
  2. Leitura da tradição da Igreja (como o povo de Deus entendeu e praticou).
  3. Discernimento pastoral (como aplicar com fidelidade e sabedoria hoje).


A sacralidade da Santa Ceia

A Santa Ceia é um dos momentos mais sagrados da vida cristã. Instituída pelo próprio Cristo na noite em que foi traído (1Co 11.23–25), ela não é uma refeição comum, mas um sacramento em que o pão e o vinho, sinais visíveis, comunicam realidades invisíveis. À mesa do Senhor, os fiéis são chamados a recordar o sacrifício redentor de Cristo, a proclamar sua morte até que Ele venha e, sobretudo, a participar de sua presença viva (1Co 10.16–17).

Desde os primórdios da Igreja, os cristãos compreenderam que a Ceia do Senhor envolve mais do que simples memória. Nos Atos dos Apóstolos, vemos a comunidade primitiva “perseverando… no partir do pão” (At 2.42,46), sinal de comunhão com Cristo ressuscitado e entre os irmãos. Os Pais da Igreja, como Inácio de Antioquia e Justino Mártir, ressaltaram que a Eucaristia é comunhão real com Cristo, celebrada sob a presidência daqueles a quem o Senhor confiou a guarda da doutrina e dos sacramentos.

No decorrer da história, diferentes tradições buscaram explicar esse mistério: o catolicismo romano formulou a doutrina da transubstanciação, Lutero falou em união sacramental, Zwinglio reduziu-a a memorial simbólico. Já João Calvino e John Wesley, cada um à sua maneira, ressaltaram a presença real e espiritual de Cristo, entendida como mistério operado pelo Espírito Santo e recebida pela fé.

Para Wesley, a Santa Ceia é antes de tudo um meio de graça: um canal pelo qual Deus comunica perdão, santificação e vida nova. Ele a recomendava como prática constante, afirmando que “é dever de todo cristão participar com a maior frequência possível” (Sermão 101). Na sua experiência, o pão e o vinho não são apenas sinais externos, mas instrumentos através dos quais Cristo se dá a conhecer e a Igreja é fortalecida em unidade e missão.

Assim, à luz das Escrituras, da tradição histórica e da herança wesleyana, a Ceia do Senhor deve ser recebida com profunda reverência e fé. Nela, confessamos que o memorial e a presença se encontram: recordamos a cruz de Cristo, mas também nos unimos ao seu corpo e sangue de maneira misteriosa, espiritual e real. Trata-se de um ato de obediência, de comunhão e de antecipação do banquete escatológico no Reino de Deus.


1. O que a Bíblia diz?

a) Instituição da Ceia

Jesus instituiu a Ceia no contexto da Páscoa, reunido com os apóstolos (Mt 26.26–29; 1Co 11.23–26). A entrega do pão e do cálice se deu dentro da comunidade apostólica, núcleo da futura liderança da Igreja.

b) Caráter santo e comunitário

Paulo enfatiza que a Ceia não é refeição privada, mas ato da comunidade de fé. Nela se manifesta a unidade do corpo de Cristo:

1 Coríntios 10.16–17

“O cálice da bênção, que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só corpo; porque todos participamos do único pão.”

c) Ordem e discernimento

A celebração exige reverência e discernimento espiritual (1Co 11.27–29). A repreensão de Paulo mostra que a Ceia precisa ser guardada de abusos, preservando sua dignidade.

d) Responsabilidade pastoral

O NT apresenta os apóstolos, presbíteros e bispos como responsáveis pelo cuidado doutrinário e pelo ensino (At 2.42; 20.28; 1Tm 3.1–7; Tt 1.5–9; 1Pe 5.1–3). A eles cabe pastorear, guardar e administrar os “mistérios de Deus” (1Co 4.1).

Conclusão bíblica: a Ceia é um ato da comunidade cristã, instituído por Cristo, que deve ser celebrado sob liderança espiritual reconhecida, em ordem e discernimento.


2. O papel do ministério ordenado

No NT, não há manual detalhado dizendo “quem pode” ministrar a Ceia. Contudo:

  • Os apóstolos e presbíteros exercem autoridade sobre o ensino e a prática comunitária.
  • A igreja primitiva entendeu que atos centrais da fé deveriam estar sob guarda dos ministros reconhecidos pelo Espírito e pela comunidade.

Historicamente, esse entendimento foi consolidado: a Ceia é celebrada sob responsabilidade de pastores e presbíteros ordenados, a fim de preservar:

  1. A unidade da fé.
  2. A pureza da doutrina.
  3. A reverência no culto.


3. A questão prática

Pode qualquer cristão repartir pão e vinho? Tecnicamente, sim. Mas a pergunta correta é: deve?

  • A Ceia não é ato individual, mas expressão da comunhão da Igreja.
  • A tradição cristã (inclusive metodista e wesleyana) ensina que deve ser presidida por ministros ordenados.
  • Outros podem ajudar a servir (diáconos, líderes, irmãos), mas a presidência cabe ao pastor/presbítero.
  • Exceções autorizadas com ordem e decência: Embora a presidência da Santa Ceia pertença ordinariamente aos ministros ordenados, a própria história metodista e a prática da Igreja Metodista Livre reconhecem que, em determinadas circunstâncias, um ministro ordenado pode autorizar líderes leigos licenciados a presidir os sacramentos. Tal autorização não retira a sacralidade da Ceia, pois é concedida em nome da Igreja, preservando a comunhão e a unidade do Corpo de Cristo. Isso demonstra que a questão não é de mero formalismo clerical, mas de ordem eclesial, para que tudo seja feito “com decência e ordem” (1Co 14.40), de modo que a comunidade continue sendo edificada na graça.


4. Testemunho dos Pais da Igreja

Desde cedo, a Igreja foi clara sobre a presidência da Ceia:

  • Inácio de Antioquia (Aos Esmirnenses 8): “Seja tida por válida a Eucaristia que é celebrada pelo bispo, ou por quem ele tiver autorizado.”
  • Justino Mártir (Apologia I 65–67): descreve o culto dominical e o papel de quem preside, responsável pelas orações e distribuição.
  • Tertuliano (De Corona 3): “Recebemos o sacramento da Eucaristia… das mãos somente dos que presidem.”
  • Hipólito de Roma (Tradição Apostólica): apresenta o bispo presidindo, com presbíteros e diáconos em funções específicas.
  • Cipriano de Cartago (Epístola 63): reforça que a correta celebração depende de bispos/presbíteros.
  • Constituições Apostólicas (séc. IV): normatizam a presidência episcopal/presbiteral sobre os sacramentos.

Síntese patrística: desde o século II, há consenso de que a Eucaristia só é válida quando presidida pelo bispo ou por alguém autorizado por ele. Isso mostra que, desde os primeiros séculos, a validade da Ceia esteve ligada à comunhão e à autoridade ministerial, nunca a iniciativas privadas ou individuais.


5. Argumentos históricos e teológicos

  • Tradição constante: A Ceia sempre foi celebrada sob ministros ordenados, como sinal de unidade e fidelidade ao ensino apostólico.
  • Proteção contra heresias: Centralizar a presidência nos ministros preservou a integridade do sacramento contra desvios.
  • Natureza sacramental: A Ceia é meio de graça, não ato comum. Sendo “mistério de Deus”, deve ser administrada por “despenseiros” fiéis (1Co 4.1).
  • Unidade da Igreja: Se cada grupo celebrasse de forma autônoma, a Ceia perderia seu caráter de comunhão.


6. Argumentos pastorais

  • Disciplina e zelo: Evita banalização e abusos (1Co 11.27–29).
  • Autoridade espiritual: Pastores/presbíteros são guardiões da sã doutrina e do culto (At 20.28; Hb 13.17).
  • Segurança contra abusos: A presidência pastoral garante reverência e fidelidade bíblica.


7. Conclusão e aplicação pastoral

Diante da Bíblia, da tradição histórica e dos argumentos teológicos e pastorais, a resposta é clara:
Não é apropriado que qualquer pessoa ministre a Santa Ceia.
Este é um ato sagrado, ligado ao pastoreio e à doutrina da Igreja, que deve estar sob o cuidado daqueles que foram ordenados e receberam autoridade para esse serviço.

Ao mesmo tempo, todos os membros são chamados a participar dignamente, examinando-se e reconhecendo no pão e no cálice a comunhão com Cristo e com o corpo (1Co 11.28–29).

Assim, celebramos a Ceia sob a presidência de ministros ordenados, em reverência e unidade, até o dia em que estaremos reunidos no grande banquete do Reino com o próprio Cristo (Ap 19.9).


Portanto, a Santa Ceia é um sacramento instituído por Cristo para a sua Igreja. Por isso, não deve ser ministrada por qualquer pessoa, mas sob a presidência de ministros ordenados, que receberam autoridade da Igreja para esse fim. Assim garantimos que a Ceia seja celebrada com reverência, ordem e unidade, conforme as Escrituras orientam (1Co 11.23–29).

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Juntando Tesouros no Céu: A Grande Lição de um Engenheiro


A Grande Lição de um Engenheiro

Havia um engenheiro evangélico que já havia construído muitas pontes, viadutos e edifícios. Obras grandiosas, das quais se orgulhava, porque duravam muito tempo. Ele previa que muitas delas permaneceriam firmes mesmo depois de sua morte. Essa durabilidade lhe dava grande satisfação.
Certo dia, lendo as Escrituras, chegou a um texto que lhe chamou muito a atenção. Ele percebeu que, por mais sólidas e duradouras que fossem suas construções, todas as coisas materiais haveriam de passar. A Bíblia afirma que chegará o dia em que o fogo consumirá tudo, pois haverá novos céus e nova terra, e o primeiro céu e a primeira terra deixarão de existir (2Pe 3.10-13; Ap 21.1).

Isso o fez refletir: apesar de ser crente e temente a Deus, estava investindo demais da sua vida em coisas que seriam consumidas pelo fogo. Ele não pensava em abandonar a profissão de engenheiro, mas compreendeu que precisava dar prioridade a valores eternos — coisas que nem a traça, nem a ferrugem podem destruir (Mt 6.19-20).

Assim, passou a viver de outra forma: continuou engenheiro, mas agora um engenheiro que entendia que sua vocação maior não era apenas construir obras materiais, mas dedicar-se a algo que ultrapassa esta vida. Percebeu que todos os cristãos têm um chamado — não apenas os que são ministros de tempo integral — e que a paixão que deveria conduzir a nossa vida é o evangelho, a vontade de Deus. Afinal, Jesus disse: “Busquem, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas lhes serão acrescentadas” (Mt 6.33).

Podemos ser engenheiros, advogados, pedreiros, costureiras, cozinheiros, eletricistas — não importa a profissão. O essencial é nunca esquecer que, em qualquer lugar, somos testemunhas de Cristo, com uma missão maior do que qualquer cargo ou carreira. As obras humanas serão destruídas, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre (1Jo 2.17).

Esse engenheiro aprendeu a dedicar-se mais à salvação de almas e ao cumprimento do propósito de Deus para sua vida. Continuou sua profissão, mas colocando cada coisa em seu devido lugar. E nós também precisamos viver assim, perguntando: Para que nasci?. A Bíblia lembra: “Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei. O Senhor o deu, o Senhor o tomou” (Jó 1.21). “Nada trouxemos para este mundo, nem coisa alguma podemos levar dele” (1Tm 6.7).

Muitos pensam que podem viver para curtir tudo o que o mundo oferece e ainda herdar o céu. Mas a Palavra adverte: “Não amem o mundo, nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo — a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a soberba da vida — não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o mundo passa, bem como a sua cobiça; aquele, porém, que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1Jo 2.15-17).

O livro de Eclesiastes reforça essa verdade. Trinta vezes ele repete a expressão “debaixo do sol”, para mostrar a vida vista apenas na perspectiva terrena, materialista e existencialista. Nesse prisma, tudo se torna vaidade e correr atrás do vento (Ec 1.2,14). Essa visão leva ao desespero e ao hedonismo: “Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos” (1Co 15.32).

Mas a Escritura também mostra que existe outro caminho. Jesus nos chama a acumular tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem (Mt 6.20). Paulo ensina que nossas obras serão provadas pelo fogo do juízo: “A obra de cada um se tornará manifesta, pois aquele Dia a demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e o fogo provará qual é a obra de cada um” (1Co 3.13). As obras fúteis se consumirão, mas o que foi feito para Deus permanecerá.

Assim, compreendemos que não basta viver como religiosos ocasionais, sem paixão, sem zelo, sem compaixão pelos perdidos. O nosso cotidiano revela onde está o nosso coração (Mt 6.21). Por isso, precisamos refletir: onde está a nossa paixão? onde está o nosso amor?.

Que não vivamos como quem corre atrás do vento, mas como quem permanece para sempre, fazendo a vontade de Deus.

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Sermão Escatológico de Jesus


Mateus 23 e 24 e o Sermão Escatológico de Jesus


Mateus 23 a partir do versículo 29

"Ai de vocês, escribas e fariseus, hipócritas! Porque edificam os túmulos dos profetas, enfeitam os monumentos dos justos e dizem: Se tivéssemos vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no derramamento do sangue dos profetas. Assim, vocês dão testemunho contra si mesmos, de que são filhos dos que mataram os profetas. Portanto, tratem de terminar aquilo que os pais de vocês começaram! Serpentes! Raça de víboras! Como escaparão da condenação do inferno? Por isso, eis que eu lhes envio profetas, sábios e escribas; a uns vocês matarão e crucificarão; a outros açoitarão nas sinagogas e perseguirão de cidade em cidade, para que venha sobre vocês todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem vocês mataram entre o santuário e o altar. Em verdade lhes digo que todas estas coisas hão de vir sobre a presente geração." (Mt 23.29–36)


Aqui, Jesus está se dirigindo de forma dura e direta aos líderes religiosos — escribas e fariseus. Ele os chama de hipócritas porque, apesar de honrarem os profetas mortos no passado, decorando seus túmulos, afirmavam que jamais fariam o que seus antepassados fizeram. No entanto, Jesus denuncia que eles não são melhores, mas piores, pois rejeitariam e matariam o próprio Messias, além de perseguirem seus enviados.


"Jerusalém, Jerusalém, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, mas vocês não quiseram! Eis que a casa de vocês ficará deserta. Pois eu lhes afirmo que, desde agora, não me verão mais, até que digam: Bendito o que vem em nome do Senhor!" (Mt 23.37–39; cf. Sl 118.26)

Esta lamentação de Jesus expressa sua compaixão e também o juízo que viria. "Casa deserta" aponta para a destruição iminente de Jerusalém e do templo, algo que se cumpriria cerca de 40 anos depois, no ano 70 d.C.


Mateus 24 — Profecia sobre a destruição do templo

“Jesus saiu do templo e, enquanto caminhava, seus discípulos se aproximaram para lhe mostrar as construções do templo. Ele, porém, lhes disse: ‘Vocês estão vendo tudo isto? Em verdade lhes digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada.’” (Mt 24.1–2)

Impressionados com a grandiosidade do templo, os discípulos o contemplavam com admiração. Contudo, Jesus anunciou que ele seria totalmente destruído — profecia que se cumpriu literalmente no cerco romano de 70 d.C. (cf. Lc 21.5–6; Mc 13.1–2).


Conexão entre Mateus 23 e 24

O capítulo 23 de Mateus revela a gravidade da rejeição do Messias por aquela geração. Jesus declarou que todo o sangue justo, desde Abel (Gn 4.8) até Zacarias (2Cr 24.20–21), seria cobrado dela (Mt 23.35–36). Tal sentença apontava para um juízo histórico específico — a destruição de Jerusalém — e, ao mesmo tempo, prenunciava o juízo final.

O historiador judeu Flávio Josefo descreve o cerco como um período de fome extrema, violência interna e até casos de canibalismo. A cidade permaneceu sitiada por cerca de cinco meses, até ser invadida e arrasada. O templo foi queimado e nenhum bloco permaneceu sobre outro, cumprindo com precisão as palavras de Jesus (Lc 21.20–24).


O anúncio nos Evangelhos Sinóticos

Nos três Evangelhos, Jesus antecipou com clareza a queda da cidade e do templo:

  • Mt 24.1–2 – “Não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada.”
  • Mc 13.1–2 – repete a mesma profecia.
  • Lc 21.6 – reforça a destruição total.
  • Lc 19.43–44 – descreve inimigos cercando Jerusalém com trincheiras e derrubando-a com seus habitantes.

Essas palavras foram pronunciadas cerca de 40 anos antes de seu cumprimento, dentro do limite da “presente geração” mencionada por Jesus (Mt 23.36; Mt 24.34).


O sinal e a instrução de Jesus

Lucas registra o sinal específico dado por Cristo:

“Quando, porém, virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei que é chegada a sua devastação.” (Lc 21.20)

  • Não se tratava de um sinal do fim do mundo, mas de um evento histórico ligado ao juízo sobre a cidade que rejeitou o Messias.
  • Jesus orientou: “Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes; os que estiverem dentro da cidade saiam; e os que estiverem nos campos não entrem nela” (Lc 21.21).

Eusébio de Cesareia relata que muitos cristãos, recordando essa instrução, fugiram para Pella, na Pereia, e assim escaparam da tragédia.


Linha do tempo da guerra judaico-romana

  • 66 d.C. – Início da rebelião judaica contra Roma.
  • 67–69 d.C. – Avanço de Vespasiano e Tito pela Galileia e Judeia, conquistando cidades e isolando Jerusalém.
  • 14 de abril de 70 d.C. – Início do cerco à cidade, durante a Páscoa.
  • Agosto de 70 d.C. – Incêndio e destruição do templo (9º dia do mês de Ab, mesma data da destruição do Primeiro Templo em 586 a.C.).
  • 8 de setembro de 70 d.C. – Queda total da cidade.

O cerco durou cerca de cinco meses, mas a guerra como um todo se estendeu por quatro anos.


As condições durante o cerco

O relato de Josefo confirma, de modo impressionante, as palavras de Jesus:

  • Fome extrema“Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias” (Mt 24.19; Lc 21.23).
  • Angústia sem escape“Haverá grande aflição sobre a terra e ira contra este povo” (Lc 21.23).
  • Mortes e dispersão“Cairão ao fio da espada e serão levados cativos para todas as nações; e Jerusalém será pisada pelos gentios” (Lc 21.24).

Josefo narra episódios de canibalismo por desespero e destaca que a luta interna entre facções judaicas matou muitos antes mesmo da invasão romana.


Cumprimento ponto a ponto

  • “Não ficará pedra sobre pedra” – O templo foi completamente demolido; até sua plataforma foi desmontada para extração de ouro derretido nas fendas.
  • “A casa ficará deserta” – Jerusalém foi reduzida a ruínas; seus sobreviventes morreram ou foram levados cativos.
  • “Será pisada pelos gentios” – A cidade permaneceu sob domínio estrangeiro por séculos.


Aplicação teológica

  1. Marco profético histórico – Cumpriu literalmente parte do discurso de Jesus no Monte das Oliveiras.
  2. Tipo e prenúncio do juízo final – Assim como o cerco foi juízo sobre Israel que rejeitou o Messias, a volta de Cristo trará juízo sobre toda a humanidade impenitente.
  3. Lição de vigilância – Os cristãos daquela época escaparam porque creram e obedeceram à palavra do Senhor; isso nos lembra que nossa segurança está em viver sob Sua direção (Sl 91.1–2; Hb 2.3).


Sinais e advertências

Jesus também advertiu seus discípulos que não confundissem sinais preliminares com o fim imediato:

"Vocês ouvirão falar de guerras e rumores de guerras. Não se assustem, porque é necessário que assim aconteça, mas ainda não é o fim. Pois nação se levantará contra nação, e reino contra reino; e haverá fomes e terremotos em vários lugares. Porém tudo isto é o princípio das dores." (Mt 24.6–8)

Assim como as dores de parto indicam que o nascimento se aproxima, mas não acontece de imediato, esses sinais mostram que o fim se aproxima, mas ainda não chegou.

Entre os sinais mais graves, Jesus menciona perseguição, apostasia, falsos profetas e o esfriamento do amor (Mt 24.9–12). O apóstolo Paulo também alerta para a apostasia antes da volta de Cristo (2Ts 2.3).


O Evangelho pregado a todas as nações

"E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então virá o fim." (Mt 24.14)

O alcance missionário é parte do plano divino. Em Apocalipse, João vê uma multidão de "todas as nações, tribos, povos e línguas" diante do trono (Ap 7.9), indicando que a missão será cumprida.


O abominável da desolação e a fuga da Judeia

Jesus aplica à iminente destruição de Jerusalém a profecia de Daniel (Dn 9.27; 11.31; 12.11):

"Quando, pois, vocês virem o abominável da desolação de que falou o profeta Daniel, no lugar santo (quem lê entenda), então os que estiverem na Judeia fujam para os montes. Quem estiver no terraço não desça para tirar de casa alguma coisa; e quem estiver no campo não volte atrás para buscar a sua capa. Ai das que estiverem grávidas e das que amamentarem naqueles dias! Orem para que a fuga de vocês não aconteça no inverno, nem no sábado." (Mt 24.15–20)

A expressão “abominável da desolação” remete a uma profanação do lugar santo. Daniel fala de um evento em que o santuário seria invadido e seu serviço interrompido. No contexto imediato das palavras de Jesus, esse sinal indicaria que o cerco romano e a destruição de Jerusalém estavam prestes a acontecer.

Lucas registra o equivalente da advertência de Jesus em termos mais claros para o cumprimento histórico:

"Quando virem Jerusalém cercada de exércitos, saibam que está próxima a sua devastação. Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes; os que estiverem no interior da cidade saiam, e os que estiverem nos campos não entrem nela." (Lc 21.20–21)

O “abominável” se cumpre no ato de profanação e devastação do templo e da cidade pelas legiões romanas. Jesus fala de algo muito localizado: a Judeia, Jerusalém, o templo. A ordem é clara: não tentar salvar bens, mas fugir imediatamente. “Pernas, pra que te quero” — o livramento viria pela obediência, não por resistência militar e nem por um arrebatamento secreto.

Eusébio de Cesareia relata que, lembrando-se dessa profecia, muitos cristãos judeus abandonaram a cidade antes do cerco completo, refugiando-se em Pella, na Pereia. Dessa forma, escaparam da tragédia que se abateu sobre aqueles que permaneceram.


A comparação com os dias de Noé

Jesus prossegue usando um paralelo com o dilúvio para ilustrar a sua vinda:

"Pois assim como foi nos dias de Noé, também será na vinda do Filho do Homem. Porque, assim como nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca, e não perceberam, até que veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do Homem. Então dois estarão no campo: um será levado, e o outro deixado. Duas mulheres estarão trabalhando num moinho: uma será levada, e a outra deixada." (Mt 24.37–41; cf. Gn 6.5–13)

Nos dias de Noé, “levados” foram os que pereceram sob as águas do juízo; “deixados” foram Noé e sua família, preservados para habitar a terra renovada após o dilúvio. Portanto, no ensino de Jesus, na sua vinda, ser “levado” é ser removido pelo juízo divino, e ser “deixado” é permanecer para o Reino. A imagem não fala de um arrebatamento secreto, mas da separação final entre justos e ímpios no dia do Senhor (cf. Mt 13.41–43, 49–50).


Conclusão prática

Após anunciar esses sinais e ilustrações, Jesus conclui com uma exortação à vigilância:

"Portanto, vigiem, porque vocês não sabem em que dia virá o seu Senhor." (Mt 24.42; cf. Mt 25.13; Mc 13.35–37)

O chamado é claro: vigilância constante, preparo espiritual e fidelidade até o fim (Mt 24.13; Ap 2.10). Assim como Noé construiu a arca com perseverança, aguardando o cumprimento da palavra de Deus, o discípulo de Cristo é chamado a viver preparado, não especulando datas, mas permanecendo firme na obediência, sabendo que a vinda do Senhor será repentina e inescapável para os que não o aguardam.




Postagem em destaque

Como Enfrentar os Desafios Contemporâneos do Ministério Pastoral

Introdução Pastorear o rebanho de Deus nunca foi uma tarefa fácil. Hoje, então, nem se fala! Desde 1986, quando plantei minha primeira igre...

Mais Visitadas