sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Romanos 10 - Comentário Bíblico


Romanos 10 - Comentário

Por Bispo Ildo Mello


Perguntas Introdutórias

  1. Se Deus cumpriu sua aliança em Cristo, por que muitos judeus não creram? 2) O que significa dizer que Cristo é o telos da Lei (Rm 10.4)? 3) Como a salvação se apropria no presente e se consuma no último dia? 4) Qual é a marca do povo de Deus hoje e qual é a tarefa da igreja?

Tese: Em Romanos 10 Paulo mostra que a justiça de Deus se manifestou em Cristo e se apropria pela fé, de modo universal (judeus e gentios), através de uma resposta integral: crer com o coração e confessar com a boca. A Lei encontra seu clímax e término como via de justiça em Cristo, e a missão torna-se o elo necessário: enviados → anunciam → ouvem → creem → invocam → são salvos (Rm 10.14–17).


1) 10.1–4 — Zelo sem conhecimento e o Fim (telos) da Lei

Exposição

Paulo abre com dor pastoral: “o desejo do meu coração e a súplica… é que sejam salvos” (10.1). Ele reconhece zelo em Israel, mas “não com entendimento” (10.2). O problema: ignoram a justiça de Deus e “buscam estabelecer a sua própria”, não se sujeitando a ela (10.3). A razão decisiva: “Cristo é o telos da Lei para justiça a todo o que crê” (10.4).

Notas exegéticas

  • “Justiça de Deus” em Romanos carrega o eixo de fidelidade de aliança revelada no evangelho e dom gratuitoque constitui o povo (cf. 1.16–17; 3.21–26).
  • “Sua própria justiça”: não é apenas “entrar” no povo, mas “manter-se de pé” com base no desempenho legal (cf. Fp 3.4–9).
  • Telos = clímax/objetivo e, no plano salvífico-histórico, término da Lei como via de justiça. A Lei testemunhaCristo, mas não é mais o meio de justificação/santificação (cf. 2Co 3.7–14; Gl 3.23–25).

Teologia e síntese

A justiça que salva é de Deus em Cristo; o ser humano submete-se a ela pela fé. No nosso vocabulário wesleyano: é a graça que desperta e convence, conduzindo à fé obediente que salva e santifica.

Aplicações

  • Zelo não é critério de verdade (10.2). Piedade sem evangelho não salva.
  • Pastores: interceder e evangelizar. A dor pastoral vira missão (10.1).


2) 10.5–13 — Deuteronômio 30 cumprido em Cristo: fé que crê e confessa

Exposição

Paulo contrapõe vozes:

  • Moisés sobre a justiça “da Lei”: “o homem que praticar viverá por elas” (Lv 18.5; 10.5).
  • “A justiça da fé” fala com as palavras de Dt 30.12–14: não é subir ao céu nem descer ao abismo; a Palavra está perto (10.6–8).
    Clímax: “Se com a boca confessares Jesus é Senhor e no coração creres que Deus o ressuscitou, serás salvo” (10.9–10). Promessa universal: “todo o que nele crê não será envergonhado” (Is 28.16; 10.11); “todo o que invocar o nome do Senhor será salvo” (Jl 2.32; 10.13). Não há distinção entre judeu e grego (10.12).

Notas intertextuais

  • Paulo faz uma variação sapiencial de Dt 30: o que Israel aguardava (fim do exílio, coração circuncidado, Palavra perto) chegou em Cristo.
  • Jesus é Senhor”: confissão batismal e contracultural (no império, “Senhor” era César), agora aplicada ao Senhor do AT (Jl 2.32).

Teologia e síntese

Salvação é dom próximo: crer (coração) + confessar (boca). A fé justifica e a confissão salva (10.10) — linguagem que une status e processo (início e percurso), compatível com a ênfase wesleyana: a graça salva e santifica; a confissão pública marca a incorporação no povo renovado.

Aplicações

  • Chamado claro ao arrependimento e à confissão pública de Cristo.
  • Igreja sem barreiras: o mesmo Senhor é rico para com todos (10.12).


3) 10.14–21 — A cadeia missionária e a incredulidade prevista

Exposição

Paulo deduz a necessidade da missão: enviar → pregar → ouvir → crer → invocar (10.14–15,17). Contudo, “nem todos obedeceram ao evangelho” (10.16; Is 53.1). Isso não invalida o plano; foi previsto:

  • A voz já ecoou (Sl 19; 10.18).
  • Deus provocaria ciúmes em Israel por meio de um “não-povo” (Dt 32.21; 10.19).
  • Deus se deixou achar por quem não buscava (Is 65.1–2; 10.20–21).

Teologia e síntese

A missão aos gentios cumpre as Escrituras e serve ao propósito de restaurar Israel (ponte para Rm 11). A fé vem pelo ouvir da palavra de Cristo (10.17).

Aplicações

  • Prioridade missional: sem enviados, ninguém crê. Invista em formar mensageiros.
  • Humildade: a incredulidade de alguns não desautoriza o evangelho; persista.


Tópicos teológicos de Romanos 10

  1. Justiça de Deus: fidelidade de aliança revelada em Cristo e comunicada pela fé (3.21–26; 10.3–4).
  2. Cristo, telos da Lei: a Lei chega ao seu alvo e cessa como caminho de justiça; permanece como testemunho(2Co 3; Gl 3–6).
  3. Resposta integral: coração (crer) + boca (confessar) = apropriação presente e honra no juízo (10.9–11).
  4. Universalidade: nenhuma distinção; a mesma via para todos (10.12–13).
  5. Economia da missão: Deus salva por meio da pregação; por ela nasce fé (10.14–17).
  6. História da salvação: a entrada dos gentios e a resistência de Israel estavam no roteiro bíblico (10.18–21).


Esboço

  • “Zelo que salva? Só com conhecimento” (10.1–4): contraste entre piedade autossuficiente e submissão à justiça de Deus.
  • “Tão perto quanto a boca e o coração” (10.5–13): Dt 30 em Cristo; convite a crer e confessar.
  • “Como crerão… se não há quem pregue?” (10.14–17): convocação para enviar e ser enviado.
  • “Deus de mãos estendidas” (10.21): paciência e misericórdia como moldura do juízo.


Aplicações pastorais

  1. Graça que desperta, convence, salva e santifica: dê espaço ao apelo que una e entrega pública (10.9–10).
  2. Cuidado com moralismo: zelo sem evangelho tropeça em Cristo (10.2–3, 33).
  3. Discipulado como confissão contínua: a boca que confessa no batismo deve continuar confessando na vida (Tg 3; Rm 12.1–2).
  4. Missões e envio: estabeleça cadeias missionais (formação → envio → pregação) e meça ministérios por ouvir-crer-invocar (10.14–17).
  5. Acolhimento radical: estruture a comunidade para “todos” (10.11–13), derrubando barreiras étnicas, rituais e socioculturais (Ef 2.11–22).


Conclusão

Romanos 10 é o coração prático de 9–11: a fidelidade de Deus atinge seu clímax em Cristo; a marca do povo é a fé confessante; e o método de Deus é a pregação que faz a Palavra chegar tão perto quanto a boca e o coração. Entre a dor pastoral (10.1) e a misericórdia universal (11.32), a igreja vive enviando e confessando para que “todo o que invocar o nome do Senhor seja salvo” (10.13).

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Você Quer Ver a Deus? Então Ouça Esta Mensagem!


Há frases na Bíblia que carregam um peso eterno… e Hebreus 12.14 é uma delas:

“Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.”

Nesta mensagem, refletimos sobre o que significa viver em santidade e seguir a paz com todos. Santidade não é um “extra” da vida cristã — é o caminho para desfrutar da presença de Deus agora e por toda a eternidade.

👉 Santificação: ser separado para Deus e viver de forma coerente com essa identidade. 👉 Paz: não há comunhão com Deus enquanto guardamos rancor ou inimizade. 👉 Ver o Senhor: tanto na eternidade quanto no dia a dia.

📌 Reflita: — Você tem buscado santidade de forma intencional? — Há relacionamentos que precisam ser restaurados?

 Sem santidade ninguém verá o Senhor



“Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.” (Hb 12.14)

Há frases na Bíblia que são curtas, mas carregam um peso eterno. Esta é uma delas. O autor de Hebreus nos convida a perseguir duas coisas fundamentais: a paz com todos e a santificação. Não se trata de conselhos opcionais para os mais “espirituais”. É uma exigência para todo aquele que deseja ver o Senhor — tanto agora, em comunhão com Ele, quanto na eternidade.

“Santificação” significa ser separado para Deus e viver de forma coerente com essa nova identidade. À medida que o Espírito Santo trabalha em nós, vamos sendo moldados à imagem de Cristo. E esse processo requer resposta e entrega diária da nossa parte.

O texto também fala sobre “seguir a paz com todos”. A santidade não é vivida em isolamento. Não há verdadeira comunhão com Deus quando há inimizade e rancor nos relacionamentos. A fé que nos une ao Senhor também deve nos reconciliar com o próximo. Por isso, quem caminha em santidade busca paz, perdão e restauração.

“Ver o Senhor” tem dois sentidos principais no Novo Testamento:
Escatológico: Ver Deus face a face na glória eterna (Mt 5.8; 1 Jo 3.2).
Experiencial: Ter comunhão com Deus no presente (Jo 14.21).

Assim, quem rejeita a santidade não verá a Deus nem na eternidade nem na intimidade diária com Ele. A santidade não é um “extra” da vida cristã — é a condição essencial para desfrutar da presença de Deus agora e por toda a eternidade. É um chamado para viver de modo íntegro diante de Deus e dos homens, permitindo que Sua graça produza em nós um novo modo de ser.

Reflita:
— Você tem buscado santidade de forma intencional ou tem deixado sua vida espiritual seguir no “modo automático”?
— Há relacionamentos que precisam de reconciliação para que a paz e a santidade frutifiquem?

sábado, 18 de outubro de 2025

O Pastor Wesleyano: Guardião da Fé, Educador do Povo e Servo de Cristo

 O Pastor Wesleyano: Guardião da Fé, Educador do Povo e Servo de Cristo

Uma reflexão teológica e pastoral à luz da tradição wesleyana

1. Introdução: O papel pastoral na tradição wesleyana

Ao longo dos séculos, diferentes visões sobre o ministério pastoral moldaram a vida da Igreja. Na tradição wesleyana, entretanto, o pastor é compreendido essencialmente como servo de Cristo e da Igreja, alguém que conduz o povo de Deus à maturidade espiritual por meio da fidelidade à Palavra, da piedade prática e de uma vida pastoral marcada pela graça e pelo serviço. Esta reflexão propõe destacar traços característicos desse ministério, sem necessidade de contrapor explicitamente outras formas de liderança, mas permitindo que o contraste surja naturalmente a partir da clareza do perfil apresentado.

2. Fundamento teológico: Cristo, a Palavra e a Igreja

Na tradição wesleyana, a centralidade de Cristo é inegociável. O pastor não conduz a igreja a si mesmo, mas sempre a Cristo, único Senhor e Cabeça da Igreja (Cl 1.18). Sua autoridade é derivada, não própria. A Palavra de Deus é sua norma e medida (2Tm 3.16–17), e a Igreja, o espaço no qual essa Palavra é ensinada, vivida e compartilhada em comunhão. Assim, a vocação pastoral se configura como um serviço humilde e perseverante à comunidade.

3. O pastor como guardião da fé apostólica

Ser pastor, na perspectiva wesleyana, significa zelar pela fé recebida dos apóstolos. Não se trata de conservar tradições humanas, mas de permanecer firme na verdade revelada (2Ts 2.15). A tarefa de guardar 'o bom depósito' (2Tm 1.14) exige clareza doutrinária, espírito vigilante e coração pastoral. John Wesley compreendia a doutrina como 'religião do coração': não apenas ideias, mas verdades que geram vida. Por isso, ao ensinar, o pastor forma discípulos sólidos, capazes de discernir e permanecer firmes em tempos de confusão.

4. O pastor como educador espiritual do povo de Deus

O movimento metodista nasceu marcado por forte vocação educadora. Wesley percebia que a fé precisava ser nutrida por meio de ensino bíblico consistente e acompanhamento pessoal. Assim, o pastor não é apenas pregador, mas educador espiritual, ajudando o povo a crescer no entendimento e na prática da fé. Por meio da pregação, do discipulado e da formação comunitária, ele promove amadurecimento espiritual (Ef 4.11–16). Não visa dependência, mas maturidade.

5. O pastor como servo-líder

Seguindo o exemplo de Cristo, que 'não veio para ser servido, mas para servir' (Mc 10.45), o pastor wesleyano exerce autoridade com humildade. Sua liderança é marcada mais por exemplo do que por imposição. Ele ouve, orienta e caminha com o rebanho, cultivando relações de confiança e cooperação. Como Wesley afirmava, um líder cristão é servo dos servos de Deus.

6. O pastor como agente de santificação comunitária

A santidade pessoal e comunitária ocupa lugar central no ministério wesleyano. O pastor é chamado a conduzir a igreja na busca da 'santidade sem a qual ninguém verá o Senhor' (Hb 12.14). Isso inclui proclamar com clareza o chamado ao arrependimento, estimular práticas devocionais e promover um ambiente de cuidado mútuo, confissão e oração. A meta não é produzir seguidores, mas formar discípulos que reflitam o caráter de Cristo.

7. O pastor como missionário e mobilizador

Wesley declarou certa vez: 'O mundo é a minha paróquia'. Essa frase revela a convicção de que o pastor não se limita aos que já estão na comunidade de fé, mas lidera o povo de Deus a alcançar os que estão fora dela. Evangelismo, ação social, compaixão e proclamação da esperança são dimensões inseparáveis do seu ministério. Ele inspira outros a viverem como testemunhas, não apenas a participarem de estruturas internas.

8. Conclusão: O perfil pastoral que serve ao Reino

O pastor wesleyano é guardião da fé, educador espiritual, servo-líder, promotor de santidade e mobilizador missionário. Sua autoridade nasce do Evangelho e é exercida em amor. Mais do que aplicar métodos, ele encarna uma forma de ser e servir que conduz o povo a Cristo. Num tempo em que muitos modelos de liderança eclesial competem entre si, o simples testemunho desse perfil pastoral fala por si mesmo.

Notas

1. John Wesley, The Works of John Wesley, ed. Thomas Jackson (Grand Rapids: Baker, 1978), vol. 8.
2. Richard P. Heitzenrater, Wesley and the People Called Methodists (Nashville: Abingdon, 1995).
3. Albert C. Outler, John Wesley (New York: Oxford University Press, 1964).
4. Bíblia Sagrada, versão Nova Almeida Atualizada.

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Não fale o nome de Deus em vão

Quando alguém usa o nome de Deus em vão

 

Quando alguém usa o nome de Deus em vão

O terceiro mandamento ordena: “Não tomarás o nome do Senhor, teu Deus, em vão, porque o Senhor não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em vão” (Êx 20.7).
Tomar o nome de Deus em vão significa usá-lo de forma leviana, mentirosa ou desrespeitosa. A seguir estão exemplos práticos:

1. Usar o nome de Deus para dar credibilidade a mentiras

Quando alguém diz “Deus me disse” ou “Deus mandou” sem que isso seja verdadeiro, usa o nome de Deus para manipular ou se justificar.
(Mt 5.33–37; Jr 23.25–31; Dt 18.20)

2. Fazer juramentos falsos

Usar o nome de Deus em promessas ou juramentos sem intenção de cumpri-los ou mentindo é pecado.
(Lv 19.12; Mt 5.34–37; Tg 5.12)

3. Usar o nome de Deus de forma banal

Falar “meu Deus” ou “Jesus” sem reverência, como bordão ou muleta de linguagem, é tomar o nome de Deus em vão.
(Sl 111.9; Mt 6.9)

4. Associar o nome de Deus a causas injustas

Invocar Deus para apoiar atitudes contrárias à sua vontade é profanação.
(Mt 7.21–23; Ez 36.20–23; Rm 2.24)

5. Fazer votos ou promessas religiosas irresponsáveis

Prometer servir ou consagrar algo a Deus sem cumprir é usar seu nome em vão.
(Ec 5.4–6; Dt 23.21–23; Mt 21.28–31)

6. Usar o nome de Deus para autopromoção

Líderes ou pessoas que usam o nome de Deus para obter poder, fama ou dinheiro estão profanando o nome divino.
(Mt 7.15–23; 2Pe 2.1–3; Mt 23.5)

7. Hipocrisia religiosa

Professar fé e viver de modo contrário ao Evangelho desonra o nome de Deus.
(Is 29.13; Tt 1.16; Rm 2.23–24)

8. Brincadeiras ou piadas com o nome de Deus

Fazer humor com o nome de Deus demonstra falta de reverência.
(Gl 6.7; Sl 139.20; Ef 5.4)

9. Repetir expressões religiosas sem fé verdadeira

Orar ou usar expressões como “em nome de Jesus” de forma automática e sem convicção é usar seu nome em vão.
(Mt 6.7; Is 29.13; Mc 7.6)


Conclusão

Tomar o nome de Deus em vão não se limita a palavrões ou blasfêmias. Inclui toda atitude leviana, hipócrita ou manipuladora em relação ao seu nome. Devemos falar e agir com reverência e verdade, conscientes de que o nome de Deus é santo.

“Tudo o que fizerem, seja em palavra, seja em ação, façam em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.” (Cl 3.17)

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Romanos 10 - Comentário

Romanos 10 - Comentário

Perguntas Introdutórias

  1. Se Deus cumpriu sua aliança em Cristo, por que muitos judeus não creram? 2) O que significa dizer que Cristo é o telos da Lei (Rm 10.4)? 3) Como a salvação se apropria no presente e se consuma no último dia? 4) Qual é a marca do povo de Deus hoje e qual é a tarefa da igreja?

Tese: Em Romanos 10 Paulo mostra que a justiça de Deus se manifestou em Cristo e se apropria pela fé, de modo universal (judeus e gentios), através de uma resposta integral: crer com o coração e confessar com a boca. A Lei encontra seu clímax e término como via de justiça em Cristo, e a missão torna-se o elo necessário: enviados → anunciam → ouvem → creem → invocam → são salvos (Rm 10.14–17).


1) 10.1–4 — Zelo sem conhecimento e o Fim (telos) da Lei

Exposição

Paulo abre com dor pastoral: “o desejo do meu coração e a súplica… é que sejam salvos” (10.1). Ele reconhece zelo em Israel, mas “não com entendimento” (10.2). O problema: ignoram a justiça de Deus e “buscam estabelecer a sua própria”, não se sujeitando a ela (10.3). A razão decisiva: “Cristo é o telos da Lei para justiça a todo o que crê” (10.4).

Notas exegéticas

  • “Justiça de Deus” em Romanos carrega o eixo de fidelidade de aliança revelada no evangelho e dom gratuitoque constitui o povo (cf. 1.16–17; 3.21–26).

  • “Sua própria justiça”: não é apenas “entrar” no povo, mas “manter-se de pé” com base no desempenho legal (cf. Fp 3.4–9).

  • Telos = clímax/objetivo e, no plano salvífico-histórico, término da Lei como via de justiça. A Lei testemunhaCristo, mas não é mais o meio de justificação/santificação (cf. 2Co 3.7–14; Gl 3.23–25).

Teologia e síntese

justiça que salva é de Deus em Cristo; o ser humano submete-se a ela pela fé. No nosso vocabulário wesleyano: é a graça que desperta e convence, conduzindo à fé obediente que salva e santifica.

Aplicações

  • Zelo não é critério de verdade (10.2). Piedade sem evangelho não salva.

  • Pastores: interceder e evangelizar. A dor pastoral vira missão (10.1).


2) 10.5–13 — Deuteronômio 30 cumprido em Cristo: fé que crê e confessa

Exposição

Paulo contrapõe vozes:

  • Moisés sobre a justiça “da Lei”: “o homem que praticar viverá por elas” (Lv 18.5; 10.5).

  • “A justiça da fé” fala com as palavras de Dt 30.12–14não é subir ao céu nem descer ao abismo; a Palavra está perto (10.6–8).
    Clímax: “Se com a boca confessares Jesus é Senhor e no coração creres que Deus o ressuscitouserás salvo” (10.9–10). Promessa universal: “todo o que nele crê não será envergonhado” (Is 28.16; 10.11); “todo o que invocar o nome do Senhor será salvo” (Jl 2.32; 10.13). Não há distinção entre judeu e grego (10.12).

Notas intertextuais

  • Paulo faz uma variação sapiencial de Dt 30: o que Israel aguardava (fim do exílio, coração circuncidado, Palavra pertochegou em Cristo.

  • Jesus é Senhor”: confissão batismal e contracultural (no império, “Senhor” era César), agora aplicada ao Senhor do AT (Jl 2.32).

Teologia e síntese

Salvação é dom próximocrer (coração) + confessar (boca). A fé justifica e a confissão salva (10.10) — linguagem que une status e processo (início e percurso), compatível com a ênfase wesleyana: a graça salva e santifica; a confissão pública marca a incorporação no povo renovado.

Aplicações

  • Chamado claro ao arrependimento e à confissão pública de Cristo.

  • Igreja sem barreiras: o mesmo Senhor é rico para com todos (10.12).


3) 10.14–21 — A cadeia missionária e a incredulidade prevista

Exposição

Paulo deduz a necessidade da missãoenviar → pregar → ouvir → crer → invocar (10.14–15,17). Contudo, “nem todos obedeceram ao evangelho” (10.16; Is 53.1). Isso não invalida o plano; foi previsto:

  • voz já ecoou (Sl 19; 10.18).

  • Deus provocaria ciúmes em Israel por meio de um “não-povo” (Dt 32.21; 10.19).

  • Deus se deixou achar por quem não buscava (Is 65.1–2; 10.20–21).

Teologia e síntese

A missão aos gentios cumpre as Escrituras e serve ao propósito de restaurar Israel (ponte para Rm 11). A fé vem pelo ouvir da palavra de Cristo (10.17).

Aplicações

  • Prioridade missional: sem enviadosninguém crê. Invista em formar mensageiros.

  • Humildade: a incredulidade de alguns não desautoriza o evangelho; persista.


Tópicos teológicos de Romanos 10

  1. Justiça de Deus: fidelidade de aliança revelada em Cristo e comunicada pela fé (3.21–26; 10.3–4).

  2. Cristo, telos da Lei: a Lei chega ao seu alvo e cessa como caminho de justiça; permanece como testemunho(2Co 3; Gl 3–6).

  3. Resposta integralcoração (crer) + boca (confessar) = apropriação presente e honra no juízo (10.9–11).

  4. Universalidadenenhuma distinção; a mesma via para todos (10.12–13).

  5. Economia da missão: Deus salva por meio da pregação; por ela nasce fé (10.14–17).

  6. História da salvação: a entrada dos gentios e a resistência de Israel estavam no roteiro bíblico (10.18–21).


Esboço

  • “Zelo que salva? Só com conhecimento” (10.1–4): contraste entre piedade autossuficiente e submissão à justiça de Deus.

  • “Tão perto quanto a boca e o coração” (10.5–13): Dt 30 em Cristo; convite a crer e confessar.

  • “Como crerão… se não há quem pregue?” (10.14–17): convocação para enviar e ser enviado.

  • “Deus de mãos estendidas” (10.21): paciência e misericórdia como moldura do juízo.


Aplicações pastorais

  1. Graça que desperta, convence, salva e santifica: dê espaço ao apelo que una  e entrega pública (10.9–10).

  2. Cuidado com moralismozelo sem evangelho tropeça em Cristo (10.2–3, 33).

  3. Discipulado como confissão contínua: a boca que confessa no batismo deve continuar confessando na vida (Tg 3; Rm 12.1–2).

  4. Missões e envio: estabeleça cadeias missionais (formação → envio → pregação) e meça ministérios por ouvir-crer-invocar (10.14–17).

  5. Acolhimento radical: estruture a comunidade para “todos” (10.11–13), derrubando barreiras étnicas, rituais e socioculturais (Ef 2.11–22).


Conclusão

Romanos 10 é o coração prático de 9–11: a fidelidade de Deus atinge seu clímax em Cristo; a marca do povo é a fé confessante; e o método de Deus é a pregação que faz a Palavra chegar tão perto quanto a boca e o coração. Entre a dor pastoral (10.1) e a misericórdia universal (11.32), a igreja vive enviando e confessando para que “todo o que invocar o nome do Senhor seja salvo” (10.13).

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Seja um Evangelista — Missão, Fundamentos e Prática

 📖 Seja um Evangelista — Missão, Fundamentos e Prática

Por Bispo Ildo Mello

1) Jesus: o maior evangelista e nosso modelo

Quem foi o maior evangelista de todos os tempos? Jesus. Ele mesmo declarou: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me para proclamar libertação aos cativos, restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos” (Lc 4.18).

Antes de subir aos céus, disse aos seus discípulos: “Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês” (Jo 20.21). E então ordenou: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estarei com vocês todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28.18–20).

Evangelizar, portanto, não é uma ideia humana: é a extensão da missão de Cristo no mundo, realizada através da Igreja.


2) O que é evangelizar?

Evangelizar é anunciar as boas-novas — a mensagem de que Deus oferece perdão, reconciliação e vida eterna por meio da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo (1Co 15.1–4; Jo 3.16).

Evangelizar é chamar pessoas ao arrependimento e à fé: “Deus manda que todos, em todos os lugares, se arrependam” (At 17.30; Mc 1.15; At 2.38).

Evangelizar é cooperar com o Espírito Santo, que convence o ser humano do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8). Nós falamos — Ele convence (At 1.8).


3) Minhas primeiras experiências de evangelismo

Quando tive meu despertamento espiritual, aos 16 anos, senti fortemente no coração o desejo de compartilhar a fé com meus amigos. Comecei a orar todos os dias por colegas de escola e do bairro.

Nos acampamentos da igreja, comecei a convidá-los: no primeiro, levei quatro ou cinco amigos; no segundo, vinte. Muitos deles se converteram ali mesmo, impactados pela Palavra e pelo convívio cristão.

No último ano do colegial, reuni meus colegas cristãos — de diferentes denominações — e li com eles: “Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16).

Propus que evangelizássemos a escola juntos, no intervalo das aulas. Quando sugeri que alguém pregasse, ninguém se apresentou — foi como na cena dos Três Patetas: todos deram um passo atrás. Então criamos uma escala de testemunho, até para quem havia se convertido havia apenas um mês!

Cantávamos louvores no pátio, compartilhávamos mensagens e testemunhos, e logo uma multidão de estudantes nos cercava. Dessa iniciativa, surgiram seis pastores. Ver isso acontecer me ensinou uma verdade simples e poderosa: Deus usa pessoas comuns, quando se dispõem.


4) Por que evangelizar? (quatro fundamentos inegociáveis)

Necessidade universal — Todos pecaram e estão separados de Deus (Rm 3.23; Is 59.2).

Só Cristo salva — “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6; At 4.12).

Urgência existencial — “Está ordenado aos homens morrerem uma só vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9.27; 2Co 6.2).

Obediência amorosa — Se amamos a Cristo, obedecemos seus mandamentos (Jo 14.15; Mt 28.18–20).


5) Evangelismo no cotidiano — exemplos reais

Mais tarde, no ambiente de trabalho, experimentei como o testemunho silencioso e coerente também evangeliza. Lembro-me de dois colegas que, no início, não sabiam absolutamente nada sobre o que significava ser evangélico. Quando descobriram que eu era seminarista, ficaram curiosos. Não aceitei discussões forçadas, mas vivi de modo íntegro.

Um deles, após um ano e meio, enfrentou uma crise pessoal profunda e, humildemente, se aproximou pedindo oração. Aquilo me marcou: percebi que o bom testemunho abre portas que palavras sozinhas não abririam (Mt 5.16; 1Pe 3.15).


6) O que fundamenta nossa proclamação (argumentos fortes)

6.1 Base bíblica sólida

Grande Comissão — O imperativo central é “fazei discípulos”; “indo, batizando e ensinando” são os meios para cumpri-lo (Mt 28.18–20).

Valor humano — Cada pessoa foi criada à imagem de Deus (Gn 1.26–27). Evangelizar é amar o próximo.

Amor que constrange — “O amor de Cristo nos constrange” (2Co 5.14–15).

Palavra da reconciliação — “Deus nos confiou a palavra da reconciliação” (2Co 5.18–20).

6.2 Evidências centrais do Evangelho

Ressurreição de Cristo como fato histórico (1Co 15.3–8; Mt 28.6).

Transformação de vidas na Igreja Primitiva (At 2.42–47).

A mensagem cristã responde à culpa, ao poder do pecado e ao sentido da vida (Rm 5.1; Rm 6.11–14; Rm 8.18–25).


7) Um alerta — como não evangelizar

Certa vez, dentro de um ônibus, presenciei uma cena triste: uma senhora gritava versículos para um rapaz que não queria ouvi-la. Irritada, ela o acusava e condenava em voz alta. No final, brigou com cobrador, motorista e passageiros, saiu gritando “vocês vão para o inferno”.

A cena causou escárnio, e ninguém ouviu a mensagem. Aquilo me ensinou algo importante: evangelizar não é agredir nem impor, mas conquistar corações com graça, mansidão e respeito (1Pe 3.15–16).


8) Perseverança no lar — o caso do meu irmão Silvio

Durante anos, compartilhei o Evangelho com meu irmão Silvio. Ele sempre dizia que iria à igreja, mas adiava semana após semana. Eu não desisti. Chegou o Domingo de Páscoa de 1986 — eu era o pregador do culto. Fui buscá-lo em casa e disse: “Se você não for, eu também não irei”.

Dessa vez, ele foi. Naquela noite, ele entregou sua vida a Jesus. Pouco tempo depois, foi batizado. Evangelizar é também amar com perseverança aqueles que estão mais próximos de nós (At 16.31).


9) O exemplo do Eli Orsi

Havia um irmão chamado Eli Orsi — um dos maiores evangelistas que conheci. Todas as manhãs, orava: “Senhor, a quem devo falar hoje? Coloca as pessoas certas no meu caminho”.

Ele evangelizava no mercadinho, na padaria, nas ruas. Tinha até um ministério com gestantes: orava por grávidas e entregava folhetos, dizendo que Jesus cuidaria delas e de seus bebês. A evangelização era seu estilo de vida — não um evento isolado.


10) Respondendo a objeções comuns

“Evangelizar é impor.” → Não, é propor com amor (2Tm 2.24–25; 1Pe 3.15).

“Todas as religiões levam a Deus.” → Jesus é o único caminho (Jo 14.6; At 4.12).

“Sou pecador demais.” → Cristo veio para pecadores (Mc 2.17; Rm 5.20).

“Não sei falar.” → O Espírito ajuda; comece com seu testemunho (Mt 10.19–20; At 22.3–21).


11) Caminhos práticos para evangelizar

Ore nomes — Liste pessoas e ore diariamente por elas (Cl 4.2–4).

Sirva necessidades — Amor abre corações (Gl 6.10; Mt 5.16).

Convide com sabedoria — “Vem e vê” (Jo 1.46).

Conecte-se com a cultura — Como Jesus com a samaritana (Jo 4.7–14).

Use suas redes — Deus age através de lares e relacionamentos (At 16.31–34; At 10.24, 44–48).


12) Alegria da colheita

“Há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende” (Lc 15.10).

Ver amigos, familiares ou colegas sendo alcançados por Cristo é uma alegria que transforma nossa fé. Eu vi isso no colégio, no bairro, no trabalho e na minha família.

Alguns semeiam, outros regam, mas Deus dá o crescimento (1Co 3.6–7).


13) Conclusão

Evangelizar é obedecer a Cristo e cooperar com o Espírito Santo. É amar pessoas reais, com histórias reais — assim como alguém um dia amou e anunciou Cristo a você.

“Como são belos os pés dos que anunciam boas-novas!” (Rm 10.15; Is 52.7).

“Calçai os pés com a preparação do evangelho da paz” (Ef 6.15).

“Recebereis poder… e sereis minhas testemunhas” (At 1.8).

👉 Seja um evangelista: na sua casa, na escola, no trabalho, no bairro e onde Deus o enviar.

👉 Você não precisa ser eloquente — precisa estar disponível.


📜 Referências Bíblicas

Lc 4.18; Jo 20.21; Mt 28.18–20; 1Co 15.1–4; Jo 3.16; At 17.30; Mc 1.15; At 2.38; Jo 16.8; At 1.8; Rm 1.16; Rm 3.23; Is 59.2; Jo 14.6; At 4.12; Hb 9.27; 2Co 6.2; Jo 14.15; Gn 1.26–27; 2Co 5.14–15; 2Co 5.18–20; Mt 28.6; 1Co 15.3–8; At 2.42–47; Mt 5.16; 1Pe 3.15–16; Cl 4.2–4; Gl 6.10; Jo 1.46; Jo 4.7–14; At 16.31–34; At 10.24, 44–48; 2Tm 2.24–25; Mc 2.17; Rm 5.20; Mt 10.19–20; At 22.3–21; Lc 15.10; 1Co 3.6–7; Rm 10.15; Is 52.7; Ef 6.15; At 1.8.

Jesus Vê, Se Importa e Supre


Você sabia que houve dois milagres da multiplicação dos pães e peixes? (cf. Marcos 6.30–44; 8.1–9). Isso já nos ensina algo precioso: Deus não está limitado a agir uma única vez. O mesmo Senhor que multiplicou pães e peixes para uma multidão faminta, pode fazer novamente — e ainda mais abundantemente. Quando caminhamos com Jesus, vemos coisas grandiosas acontecerem (Ef 3.20).
Na segunda multiplicação (Mc 8.1–9), o evangelista nos diz que a multidão estava com Jesus havia três dias, num lugar deserto. Três dias ouvindo a sua voz, sendo alimentados espiritualmente, sedentos da Palavra de vida. E é notável: ninguém reclamou de fome. Isso, talvez, seja um dos maiores milagres desse texto — permanecer tanto tempo com fome aos pés de Jesus, sem murmurar (cf. Mt 4.4).
“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus.” (Mt 4.4)
Quando o coração está cheio da presença de Deus, as carências perdem o peso. Quantas vezes, quando estamos entusiasmados com algo que amamos, até esquecemos de comer? Essa multidão estava assim: saciada espiritualmente, embora o corpo estivesse faminto.
Mas Jesus — o Bom Pastor — viu a necessidade deles. Ele sempre vê. “Tenho compaixão desta multidão”, disse Ele (Mc 8.2). Havia pessoas que tinham vindo de longe, fazendo grandes sacrifícios para estar ali. E Jesus se importa com isso. Ele conhece o caminho percorrido, o esforço feito, a entrega silenciosa. E acrescentou: “Se eu os mandar embora com fome para casa, desfalecerão pelo caminho” (Mc 8.3).
“Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes, sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o trabalho de vocês não é em vão.” (1Co 15.58)
Assim também é conosco: Deus vê o nosso sacrifício. Ele vê sua fidelidade no lar, no trabalho, na igreja, seu esforço para servir ao Reino, sua bondade, honestidade e dedicação. Nada passa despercebido aos olhos do Senhor (Hb 6.10). Ele valoriza cada passo dado em fé.
E porque Ele vê, Ele também supre. Jesus não os despediu famintos; Ele realizou novamente o milagre. Aquele que multiplica pães e peixes continua multiplicando provisão, graça e força em nossa caminhada. Mesmo quando você ainda não expressou em palavras, Deus já conhece as suas necessidades (Mt 6.8).
“Antes mesmo que a palavra me chegue à língua, tu, Senhor, já a conheces toda.” (Sl 139.4)
Nosso Deus é atencioso, compassivo e fiel. Ele se antecipa aos desafios do nosso dia e age a nosso favor — muitas vezes antes mesmo que peçamos. Como está escrito:
“O Senhor te guiará continuamente, fartará a tua alma até em lugares áridos, e fortificará os teus ossos; e serás como um jardim regado e como um manancial cujas águas nunca faltam.” (Is 58.11)
✨ Aplicação Devocional
Não limite Deus a uma única experiência. Ele pode operar de novo, e de novo, e de novo — com a mesma fidelidade com que agiu no passado.
Lembre-se que Deus vê e valoriza o seu sacrifício. Mesmo que outros não percebam, Jesus percebe e tem compaixão.
Confie na provisão antecipada de Deus. Ele sabe do que você precisa antes mesmo de você pedir.
Permaneça aos pés de Jesus. Quando Ele é a prioridade, o restante é acrescentado (Mt 6.33).
“Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e o mais ele fará.” (Sl 37.5)
Essa passagem nos lembra que, com Jesus, os milagres podem se repetir — não porque os merecemos, mas porque Ele é bom. E Ele continua a cuidar dos que O buscam com sinceridade. 🕊️✨

Do “Vinde” ao “Ide”: A Escola de Discípulos em Marcos 8


Este sermão percorre o arco do discipulado no Evangelho de Marcos: do “Vinde após mim” (Mc 1.17) ao “Ide por todo o mundo” (Mc 16.15). No centro do livro, Marcos 8 funciona como sala de aula de Jesus: compaixão que supre (segunda multiplicação dos pães), correção da incredulidade (fermento que turva a visão), cura em dois toques (visão que amadurece), duas perguntas que definem a fé (“Quem dizem que eu sou?… e vós, quem dizeis que eu sou?”), a confissão e o tropeço de Pedro, e o chamado à dupla cruz: a de Cristo e a do discípulo. A tese é simples e exigente: discipulado é processo, memória de “cestos sobrando”, correção amorosa e renúncia com alegria. Jesus não nos dá apenas um título; coloca-nos sob o seu Senhorio para vivermos a missão.

Sermão em Marcos 8 — Dois Chamados, Dois Toques e Duas Cruzes: Do “Vinde”ao “Ide” - Processo de Discipulado.


Por Bispo Ildo Mello

Convido você a abrir a Bíblia no Evangelho de Marcos, capítulo 8. O Evangelho de Marcos é o mais conciso dos quatro evangelhos — direto, objetivo e cheio de histórias. Logo no capítulo 1, temos aquele bendito chamado de Deus aos seus discípulos:
“Vinde após mim, e eu farei de vocês pescadores de homens” (Mc 1.17).
Ao longo dos 16 capítulos, Marcos mostra como Jesus trabalhou intensamente para transformar pescadores de peixes em pescadores de homens — um processo gradual de discipulado. Não foi “numa atacada só”; foi um caminho de convivência, ensino e transformação.
Chegando ao capítulo final, lemos:
“Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16.15).
Entre esses dois extremos — “Vinde” e “Ide” — está todo o processo de formação de discípulos. Foram cerca de três anos e meio de convivência, ensino e prática missionária.
Esse Evangelho pode ser lido em uma única sentada: são apenas 16 capítulos. E bem no meio, o capítulo 8 é emblemático. Ele concentra, num único dia, elementos fundamentais do discipulado de Jesus. Um dia inteiro com Jesus— imagine o impacto disso!

1.⁠ ⁠A Segunda Multiplicação de Pães — Milagre e Cuidado
O capítulo 8 começa com a segunda multiplicação dos pães e peixes (Mc 8.1–10). Isso mostra que milagres grandes podem se repetir; Deus não está limitado a agir uma única vez.
A multidão já estava com Jesus há três dias em um lugar deserto, ouvindo sua voz, sem murmurar ou reclamar de fome (Mc 8.2). Isso é notável — talvez até um milagre silencioso: três dias de fome e nenhuma murmuração.
“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4.4).
A Palavra os alimentava mais do que o pão. Quando estamos cheios de entusiasmo espiritual, muitas vezes esquecemos até de comer.
Jesus, porém, percebeu que eles estavam famintos e disse:
“Se eu os mandar para casa sem comer, desfalecerão pelo caminho” (Mc 8.3).
Ele viu que muitos vieram de longe, valorizou o sacrifício deles e providenciou o milagre.
“Portanto, meus amados irmãos, sejam firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o trabalho de vocês não é vão” (1Co 15.58).
Deus vê o nosso esforço. Assim como viu a oferta da viúva pobre (Mc 12.41–44), Ele vê cada gesto de fé e dedicação.
“Antes que a palavra me chegue à língua, tu, Senhor, já a conheces toda” (Sl 139.4).
“Deus é nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente na angústia” (Sl 46.1).
A multiplicação partiu de sete pães e alguns peixinhos (Mc 8.5–7), e todos comeram e se fartaram, sobrando sete cestos cheios (Mc 8.8).

2.⁠ ⁠Esquecimento e Incredulidade dos Discípulos
Logo em seguida, eles embarcam para outra margem, mas esquecem de levar pão (Mc 8.13–14). Apenas um pãozinho restou para doze homens. A discussão começa: “Quem esqueceu o pão?”
Jesus os repreende:
“Por que vocês estão discutindo sobre não terem pão? Ainda não compreendem nem percebem? Têm o coração endurecido?” (Mc 8.17).
Os fariseus também tinham acabado de exigir um sinal, mesmo depois de verem milagres (Mc 8.11–12). Jesus alerta:
“Cuidado com o fermento dos fariseus” (Mc 8.15).
Há pessoas que, por mais sinais que vejam, permanecem incrédulas (cf. Mt 12.38–39).
Jesus relembra:
“Quando repartiu cinco pães entre cinco mil, quantos cestos vocês recolheram?” — “Doze” — “E quando repartiu sete pães entre quatro mil, quantos cestos sobraram?” — “Sete” (Mc 8.19–20).
Os milagres de Jesus têm função pedagógica — eles ensinam quem Ele é e em quem devemos confiar.

3.⁠ ⁠O Cego de Betsaida — Dois Toques
Ao chegar a Betsaida, Jesus encontra um cego (Mc 8.22–26). Curiosamente, este é o único milagre de cura em dois estágios: primeiro, Jesus toca e o homem vê de forma turva, “como árvores que andam” (Mc 8.24). Depois, um segundo toque o faz ver claramente (Mc 8.25).
Pouco antes, Jesus havia perguntado aos discípulos:
“Ainda não percebem nem compreendem? Têm olhos e não veem?” (Mc 8.17–18).
O milagre físico do cego reflete a realidade espiritual dos discípulos: eles já tinham recebido um primeiro toque — já viam mais do que antes —, mas ainda não enxergavam plenamente.
Às vezes, também precisamos de um segundo toque de Jesus para enxergar com clareza espiritual.

4.⁠ ⁠Duas Perguntas de Jesus — Confissão de Pedro
Depois disso, Jesus pergunta aos discípulos:
“Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8.27).
Eles respondem: “Alguns dizem que és João Batista; outros, Elias; e outros, um dos profetas” (Mc 8.28). A multidão via Jesus com bons olhos, mas de forma ainda imperfeita.
Então Jesus pergunta:
“E vocês, quem dizem que eu sou?” (Mc 8.29).
Pedro responde:
“Tu és o Cristo” (Mc 8.29).
Nos evangelhos paralelos, acrescenta-se: “o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16).
Jesus declara:
“Não foi carne nem sangue que te revelaram isso, mas meu Pai que está nos céus” (Mt 16.17).
Essa é a maior de todas as confissões de fé: reconhecer Jesus não apenas como profeta, mas como o Messias, o Filho de Deus (Jo 1.14; Jo 20.31).

5.⁠ ⁠A Cruz de Cristo e a Cruz do Discípulo
Após essa confissão, Jesus revela:
“O Filho do Homem precisa sofrer muitas coisas, ser rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, depois de três dias, ressuscitar” (Mc 8.31).
Pedro, influenciado por expectativas humanas de glória imediata, tenta repreender Jesus (Mc 8.32). Mas Jesus o repreende com firmeza:
“Arreda, Satanás! Porque você não cogita das coisas de Deus, e sim das dos homens” (Mc 8.33).
Jesus havia enfrentado essa mesma tentação no deserto, quando o diabo lhe ofereceu glória sem cruz (Mt 4.1–11). Mas o caminho do Reino passa inevitavelmente pela cruz.
O apóstolo Paulo reforça:
“Se esperamos em Cristo só para esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co 15.19).
“Porque a vocês foi concedida a graça de sofrer por Cristo” (Fp 1.29).
Então Jesus estende o chamado a todos:
“Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8.34–36).

6.⁠ ⁠O Custo do Discipulado — O Chamado Radical de Cristo
Nesse ponto, me vem à memória Fernando Pessoa.
Fernando Pessoa, poeta português, tem muitos poemas que falam sobre ideais grandiosos, coragem e sacrifício. Em um de seus poemas mais conhecidos, ele escreve:
“Quantas noivas ficaram por casar para que fosses nosso mar?
Valeu a pena.
Tudo vale a pena se a alma não é pequena.
Porque quem quer passar além do Bojador tem que passar além da dor.”
O que ele está dizendo é que todo ideal exige sacrifício. O povo português, um país pequeno, foi capaz de grandes feitos: conquistou terras, dobrou o Cabo da Boa Esperança, navegou por mares desconhecidos. Para isso, muita coisa foi deixada para trás: noivas ficaram sem casar, sonhos foram sacrificados, famílias foram separadas. Havia um preço para conquistar o mar.
Em outro poema — sobre Dom Sebastião, também conhecido como Quinto Império — Pessoa escreve:
“Louco, sim, louco porque quis grandeza.
Qual a sorte a não dar?
Não coube em mim minha certeza.
Por isso, onde o areal está,
ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura outros que me aturem como o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem, mais do que a besta sadia,
cadáver adiado que procria.”
Essa poesia fala da coragem de abandonar a terra firme — o areal — e se lançar ao mar, movido por um ideal maior. Pessoa diz que, sem essa “loucura santa”, sem viver por um propósito mais alto, o ser humano se torna apenas “um cadáver adiado que procria”.
Mas aqui está a diferença essencial:
👉 Os portugueses lutaram por mares e glórias temporais, mas Jesus nos chama a seguir um ideal eterno.
“Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8.34).
“Pois que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8.36).
O ideal português foi grandioso, mas o ideal cristão é infinitamente superior. Eles atravessaram oceanos para conquistar terras; Jesus nos chama a negar a nós mesmos para herdar o Reino de Deus. Eles buscaram impérios passageiros; Jesus nos chama a participar de um Reino que jamais passará. Eles lutaram por glória humana; Jesus nos chama para a glória eterna.
Seguir a Cristo, portanto, é assumir essa “loucura santa” — sair do conforto, deixar o “areal firme” e lançar-se no mar da fé, confiando no Senhor. Não por poder, glória ou fama, mas por vida eterna.


Conclusão
O capítulo 8 de Marcos nos apresenta dois chamados — “Vinde após mim” (Mc 1.17) e “Ide por todo o mundo” (Mc 16.15);
dois toques — um para começar a ver e outro para enxergar claramente (Mc 8.22–25);
e duas cruzes — a de Cristo e a nossa (Mc 8.34).
Seguir Jesus significa ver com clareza espiritual crescente, confessar quem Ele realmente é e carregar a cruz com fidelidade.
“De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8.36).
“Só tu tens as palavras de vida eterna” (Jo 6.68).

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