quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Qual é a forma correta de batismo?

Qual é a forma correta de batismo?


A Escritura não impõe um único modo de administração do batismo. À luz do pano de fundo bíblico, do testemunho histórico e da teologia do sinal sacramental, imersão, efusão (derramamento) e aspersão são modos válidos. Portanto, a forma é matéria adiáfora (não essencial), subordinada ao mandato, à fé e à caridade cristã.

1) O silêncio normativo do Novo Testamento

Se a forma fosse de essência, esperaríamos um mandamento explícito de Jesus ou dos apóstolos. Não há tal prescrição. Os relatos bíblicos descrevem o batismo sem normatizar o gesto (p. ex., Mt 28.19; At 2; At 8), e as passagens frequentemente citadas são compatíveis com mais de um procedimento (p. ex., Mt 3.16; At 8.38–39). Assim, a forma não integra o núcleo do sacramento, mas o seu significado: união com Cristo e purificação mediante a graça (Rm 6.3–5; Tt 3.5–7; 1Pe 3.21).

2) Pano de fundo bíblico: pluralidade ritual de purificação

No Antigo Testamento, a purificação aparece tanto por aspersão (Nm 19; Lv 14; Hb 9.13,19,21) quanto por banhos/lavagens. No judaísmo do Segundo Templo, havia mikva’ot (banhos rituais) e também ritos de aspersão. O Novo Testamento reconhece essa categoria com o termo 'batismos/abluções' (Mc 7.4; Hb 9.10), indicando que o vocabulário não se limita a um único gesto.

3) A Didaquê: preferência e permissividade

A Didaquê (final do séc. I/início do II) prescreve: batizar 'em água viva' (corrente), idealmente; 'se não tiveres, em outra água; se não em fria, em quente; se não houver suficiente, derrame três vezes água sobre a cabeça em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo'. O documento mostra hierarquia preferencial (imersão em água corrente) com legitimação explícita da efusão, o que prova que, muito cedo, a Igreja reconheceu mais de um modo válido.

4) Leitura honesta dos textos usados como 'prova' da imersão

As expressões 'descer à água / subir da água' (At 8.38–39; Mt 3.16) descrevem o local do batismo, não o gesto. É compatível com imersão, mas não a impõe. Em Jo 3.23, 'muitas águas' indicam abundância/acessibilidade para multitudes, não uma normatização do gesto. At 2 (3 mil batizados) não detalha o procedimento; mesmo havendo mikva’ot em Jerusalém, o texto não faz do modo um ponto doutrinário.

5) Figuras de purificação e o tema da 'água sobre'

A Escritura associa purificação à aplicação do elemento ao povo: 'aspergirei água pura sobre vós…' (Ez 36.25–27), 'corações aspergidos… corpos lavados com água limpa' (Hb 10.22). Tais textos não legislam o gesto batismal, mas seu simbolismo (purificação e novo coração), que dialoga naturalmente com efusão/aspersão.

6) Batismo e o dom do Espírito: 'derramado', 'vindo sobre'

O Novo Testamento descreve o Espírito como 'derramado' (Jl 2.28; At 2; Tt 3.5–7) e 'vindo sobre' (At 1.8; 10.44–48). As fórmulas 'batizar em/com o Espírito' (ἐν πνεύματι) admitem leitura instrumental ou locativa. O ponto é que o campo semântico do dom do Espírito enfatiza a ação de Deus sobre a pessoa, o que sustenta, por analogia teológica, a legitimidade de efusão/aspersão como modos adequados de significar o dom.

7) Tipos e metáforas: mar, arca e nuvem

Em 1Co 10.1–2, Israel não foi submerso na nuvem, e atravessou o mar em seco; o exército egípcio, este sim, foi imerso. A imagem aponta para identificação e livramento, não para gesto técnico. Em 1Pe 3.20–21, a arca salva por meio das águas; a metáfora não exige submersão da arca. O foco é o efeito salvífico de Deus, não a coreografia hídrica.

8) Testemunho histórico: caridade sacramental e clinica baptisma

A Igreja antiga reconheceu a validade do batismo por derramamento em casos de enfermidade (clinica baptisma). Cipriano de Cartago argumenta pela legitimidade sacramental dos batismos de enfermos administrados por efusão, porque o essencial é o sinal com a Palavra e a fé da Igreja, não o volume de água.

9) Teologia do sinal: o que confere eficácia

O batismo é água com a Palavra (Mt 28.19) na economia da graça. A eficácia repousa na promessa de Deus, não na quantidade de água (Tt 3.5–7; Cl 2.12; Mc 16.16). Assim, a forma é instrumental ao significado e deve ser escolhida com prudência pastoral e caridade.

10) Conclusão pastoral

É indevido desqualificar batismos com base apenas na forma. O princípio de Ef 4.4–6 ('um só corpo… um só batismo') chama à unidade. Rebatismos motivados por desdém ao batismo anterior fomentam divisão e não se justificam biblicamente. O critério deve ser bíblico, teológico e pastoralmente consistente, não seletivo.



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