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A Transformação de Geena em Símbolo do Juízo Final

Introdução

Geena refere-se ao Vale de Hinom, um local fora de Jerusalém onde o lixo da cidade e corpos de criminosos eram queimados, tornando-se símbolo de um destino vergonhoso, sem a honra de um enterro. Este termo é um dos quatro usados nas Escrituras para descrever o destino final dos ímpios, sendo o único que indica explicitamente o julgamento após a ressurreição. Empregado principalmente por Jesus nos Evangelhos, aparece uma única vez na Epístola de Tiago e está ausente nos escritos de Paulo e nas demais epístolas. Este estudo explora as raízes de Geena no Antigo Testamento, seu desenvolvimento no Novo Testamento e sua aplicação teológica ao entendimento do julgamento divino.

 

1. Origem de Geena no Antigo Testamento

 

Geena é a transliteração grega de Ge-Hinnom, que significa "Vale de Hinom". Localizado ao sul de Jerusalém (Js 15.8; 18.16 e Ne 11:30)Durante os reinados de Acaz e Manassés, o vale tornou-se palco de sacrifícios humanos ao deus Moloque, onde crianças eram queimadas vivas como ofertas (2Cr 28:3; 33:6; 2Rs 23:10; Jr 32:35). Deus condenou severamente tais práticas: "Edificaram os altos de Tofete, que está no vale do filho de Hinom, para queimarem seus filhos e suas filhas no fogo, o que nunca ordenei, nem me subiu ao coração." (Jr 7:31-33)

Essas práticas transformaram o vale em um símbolo de desprezo e julgamento divino. Os profetas, especialmente Jeremias, utilizaram o Vale de Hinom como símbolo de julgamento divino:

            Jeremias 7:30-34 – O vale seria chamado de "Vale da Matança", com cadáveres deixados para apodrecer.

            Jeremias 19:6-7 – Profecia de um juízo irreversível sobre Jerusalém, simbolizado pela destruição no vale.

 

2. Desenvolvimento de Geena no Novo Testamento

No Novo Testamento, Geena aparece 12 vezes, sendo 11 nos discursos de Jesus. Ele transforma o Vale de Hinom, também chamado de “Vale de Matança”, de um símbolo geográfico e histórico em um símbolo universal do destino final dos ímpios. 

 

Jesus ensina que o julgamento final envolve a destruição tanto do corpo quanto da alma: "Não temais os que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer (apollymi) no inferno (Geena) tanto a alma como o corpo." (Mt 10:28). A palavra "perecer" (apollymi) indica destruição total, não tormento contínuo. Jesus ressalta a soberania divina de extinguir completamente a existência, harmonizando com a visão de Deus como "fogo consumidor" (Hb 12:29).

 

Geena também está relacionada à responsabilidade ética e moral: "Eu, porém, vos digo que todo aquele que se irar contra o seu irmão estará sujeito a julgamento... e quem lhe chamar: ‘Louco’, estará sujeito ao inferno de fogo (Geena)." (Mt 5:22). Essa advertência ressalta a seriedade do pecado e a necessidade de arrependimento, reforçando a ideia de que Geena simboliza o julgamento divino sobre aqueles que persistem na desobediência.

 

Jesus usa imagens radicais para enfatizar a destruição completa: "Se o teu olho te faz tropeçar, arranca-o; é melhor entrares na vida com um só olho do que, tendo dois olhos, seres lançado no inferno (Geena)." (Mc 9:43-48)Essas metáforas mostram que Geena não implica destruição parcial, mas total.

 

Jesus cita Isaías 66:24: "Onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga." (Mc 9:48). Em Isaías, a imagem é de cadáveres sendo consumidos, simbolizando destruição irreversível, não tormento eterno consciente. Jesus reforça a continuidade entre os Testamentos e aplica essa imagem ao juízo final.

 

O uso de Geena por Jesus também reflete um contexto cultural e histórico familiar aos seus ouvintes judeus. O Vale de Hinom, conhecido por sacrifícios humanos abomináveis e sua associação com o desprezo final por criminosos, era uma metáfora forte e impactante. Jesus ressignifica esse local como um símbolo universal de julgamento. Sua escolha de Geena, em vez de termos mais abstratos, como "morte" (thanatos) ou "destruição" (apollymi), indica a intenção de usar uma imagem visceral e memorável.

 

O destino final dos ímpios é frequentemente contrastado com a vida eterna, como em João 3:16: "Porque Deus amou o mundo... para que todo aquele que nele crê não pereça (apollymi), mas tenha a vida eterna."Aqui, "perecer" indica destruição completa, em oposição à vida eterna.

 

Geena está alinhada com o lago de fogo em Apocalipse, descrito como a "segunda morte" (Ap 20:14-15; 21:8). Ambos simbolizam destruição irreversível. Mateus 10:28 reforça essa visão, enfatizando que Deus é capaz de destruir tanto o corpo quanto a alma, eliminando a ideia de uma existência perpétua em sofrimento.

 

Paulo adapta sua linguagem 

Geena é uma metáfora impactante para o público judeu, familiarizado com o histórico do Vale de Hinom como lugar de sacrifícios humanos e desprezo final por criminosos. Mateus, escrevendo para uma audiência predominantemente judaica, faz uso mais frequente do termo, enquanto Lucas e Marcos, direcionados a públicos gentios, empregam-no com menor recorrência, e não há menção de Geena no Evangelho de João. Paulo, por escrever aos gentios que não estavam familiarizados com o significado cultural e histórico do Vale de Hinon, evita o termo, preferindo descrever o destino dos ímpios através de conceitos como apollymi(destruir, perecer – Rm 2:12; 1Co 1:18), thanatos (morte – Rm 6:23; 1Co 15:26), olethros (destruição – 2Ts 1:9; 1Co 5:5), phthora (corrupção – Gl 6:8; Rm 8:21), e telos (fim – Fp 3:19). Esses termos enfatizam a destruição total, extinção e cessação da existência como o juízo final para os que rejeitam a Deus, em contraste com a vida eterna dos salvos. Paulo, então, adapta sua linguagem, utilizando termos mais amplos e acessíveis a um público não-judeu, enfatizando a destruição definitiva dos ímpios (Fp 3:19; 2Ts 1:9).

 

3. Aplicação Teológica

Julgamento como Destruição Final

Geena simboliza o ato divino de destruir completamente o mal, em vez de ser um lugar de tormento contínuo. Essa interpretação é consistente com várias passagens bíblicas que enfatizam a destruição final dos ímpios:

            Mateus 3:12 – "Queimará a palha com fogo inextinguível."

            Malaquias 4:1 – "O dia vem ardendo como fornalha... os ímpios serão como palha."

            Ezequiel 18:20 – "A alma que pecar, essa morrerá."

            Romanos 6:23 – "Pois o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor."

            Romanos 5:12 – "Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram."

            Salmos 37:20 – "Os ímpios perecerão; os inimigos do Senhor serão como a beleza dos campos: desaparecerão; em fumaça se desfarão."

 

Jesus usa Geena para alertar sobre o peso do pecado e a urgência do arrependimento, destacando que o julgamento final é a consequência da rejeição à oferta de salvação (Jo 3:16-19).

 

Para os justos, a promessa é de vida eterna e restauração, em contraste com a destruição dos ímpios:"Os justos viverão diante de mim, mas seus inimigos perecerão." (Is 66:22-24). "Porque os malfeitores serão eliminados, mas os que esperam no Senhor herdarão a terra." (Sl 37:9).

 

Conclusão

Geena, originalmente enraizada no Vale de Hinom, é ressignificada por Jesus como um símbolo de destruição total e irreversível (Mt 10:28; Mc 9:43-48), transcendente ao contexto local para representar o juízo cósmico e universal (Mt 25:31-46; Jo 5:28-29). Essa interpretação é corroborada pelos ensinamentos das epístolas apostólicas (Rm 6:23; 2Ts 1:9) e pelo conceito do "lago de fogo" no Apocalipse, descrito como a "segunda morte" (Ap 20:14-15; 21:8). Jesus utiliza Geena como uma metáfora poderosa para a erradicação definitiva do mal, ressaltando que o julgamento divino inclui um período de castigo proporcional (Lc 12:47-48; Rm 2:5-6), no qual cada um receberá a devida retribuição por suas ações (2Co 5:10; Ap 20:12-13), culminando na extinção completa dos ímpios (Sl 37:20; Ml 4:1; 2Pe 3:7). E, então, haverá novos céus e nova terra, onde o pecado, o sofrimento, a dor e a morte serão coisas do passado, pois Jesus terá feito novas todas as coisas! (Ap 21:1-5).

 

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