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A Santa Ceia: Presença Real e Meio de Graça em Wesley e Calvino

 A Santa Ceia: Presença Real e Meio de Graça em Wesley e Calvino


Por Bispo Ildo Mello


A Santa Ceia, também conhecida como Eucaristia, é um sacramento central na fé cristã, porém diferentes tradições cristãs possuem compreensões distintas sobre sua natureza. A Igreja Católica defende a transubstanciação, segundo a qual o pão e o vinho se transformam substancialmente no corpo e no sangue de Cristo, embora mantenham suas aparências externas. Por outro lado, Ulrico Zwinglio e algumas igrejas, como as batistas, ensinam que a Ceia do Senhor não é um sacramento, mas sim um memorial dos sofrimentos e morte de Jesus Cristo.

Martinho Lutero, em contraste, propôs a doutrina da união sacramental, acreditando que o corpo e o sangue de Cristo estão presentes "em, com e sob" o pão e o vinho, sem que ocorra uma transformação das substâncias, rejeitando, assim, a ideia da transubstanciação.

Já João Calvino e John Wesley enfatizaram a Santa Ceia como um meio de graça e uma ocasião de presença real de Cristo, embora de forma espiritual e misteriosa, considerando o sacramento essencial para a vida cristã e a comunhão dos fiéis com Cristo.


Fundamentação Bíblica


A base para essa compreensão encontra-se nas Escrituras:


João 6:51-56: Jesus declara ser o “pão vivo que desceu do céu” e enfatiza a necessidade de comer Sua carne e beber Seu sangue para ter vida eterna.

1 Coríntios 10:16-17: Paulo pergunta: “O cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo?”.

1 Coríntios 11:23-29: Paulo relata a instituição da Ceia do Senhor e destaca a importância de participar dela de maneira digna, discernindo o corpo do Senhor.


Essas passagens apontam para uma realidade que vai além de um simples ato simbólico ou memorial, indicando uma presença real e uma participação efetiva na vida de Cristo.


João Calvino e a Presença Espiritual


João Calvino defendeu a presença real de Cristo na Santa Ceia, entendida de forma espiritual. Para Calvino, a Eucaristia não é apenas um símbolo vazio, mas um meio pelo qual os fiéis participam verdadeiramente de Cristo. Embora Cristo esteja fisicamente no céu, pela obra do Espírito Santo, os crentes são elevados espiritualmente para comungar com Ele.


Calvino afirmou que:


A Ceia é um mistério divino:

“Se alguém me perguntar como isso acontece, não terei vergonha de confessar que é um segredo demasiado elevado para a minha mente compreender ou as minhas palavras declarar. E, para falar mais claramente, eu o experimento mais do que o entendo.”


(Institutas da Religião Cristã, Livro IV, Capítulo XVII).

Rejeição da Transubstanciação: Calvino negou que os elementos se transformem na substância do corpo e sangue de Cristo, enfatizando em vez disso a presença espiritual real.

Comunhão com Cristo: Através da fé, os crentes são unidos a Cristo na Ceia, recebendo os benefícios de Sua morte e ressurreição.


John Wesley e o Mistério da Presença Real


John Wesley, fundador do metodismo, também enfatizou que a Santa Ceia é mais do que uma mera lembrança; é um meio pelo qual os fiéis experimentam a graça e a presença real de Cristo. Wesley acreditava que:


A Ceia é um Meio de Graça: Um canal ordenado por Deus através do qual Ele comunica Sua graça aos participantes.

Presença Real, mas Mística: Embora os elementos permaneçam pão e vinho, Cristo está verdadeiramente presente de forma misteriosa. Wesley não tentou explicar o “como”, mas encorajou os fiéis a experimentarem essa realidade.


Em um de seus sermões, Wesley afirmou:


“Eu quero e busco o meu Salvador Ele mesmo, e me apresso a este Sacramento pelo mesmo propósito que São Pedro e João se apressaram ao Seu sepulcro; porque espero encontrá-Lo ali. […] ‘Isto é o Meu corpo’ me promete mais do que uma figura; este santo banquete não é apenas uma mera memória, mas pode de fato conceder tantas bênçãos a mim quanto traz maldições ao receptor profano. De fato, de que maneira isso é feito, eu não sei; é suficiente para mim admirar.”


(Sermões, Sermão 101 - O Dever da Comunhão Constante).


Os Hinos Eucarísticos de Wesley


John e seu irmão Charles Wesley compuseram inúmeros hinos que expressam profundamente sua teologia e espiritualidade em relação à Santa Ceia. Um dos hinos mais significativos sobre a Eucaristia reflete o mistério e a profundidade desse sacramento:


“Oh, profundidade do amor divino,

Ó graça insondável!

Quem dirá como pão e vinho

Transmitem Deus ao homem?”


“Como o pão transmite Sua carne,

Como o vinho transmite Seu sangue,

Preenchem os corações

Do Seu fiel povo

Com toda a vida de Deus!”


Neste hino, os Wesleys expressam admiração pelo modo como Deus, através de elementos simples como pão e vinho, comunica Sua presença e graça aos fiéis. Eles reconhecem que, embora não possam compreender totalmente o mistério envolvido, podem experimentar e se maravilhar com essa realidade divina.


A Eucaristia como Sacramento e Mistério Divino


Ambos os reformadores concordam que a Santa Ceia é um sacramento instituído por Cristo e um mistério divino. Eles ressaltam que:


Não é Apenas um Memorial: Embora seja uma lembrança do sacrifício de Cristo, a Ceia é também uma participação real em Sua presença.

Rejeição de Explicações Racionais Plenas: Tanto Wesley quanto Calvino reconheceram que o modo como Cristo está presente é um mistério além da compreensão humana.

Ação do Espírito Santo: A presença de Cristo na Eucaristia é mediada pelo Espírito Santo, que torna real a comunhão com Cristo durante a celebração.


Implicações para a Vida Cristã


A compreensão da Santa Ceia como sacramento e presença real de Cristo tem várias implicações práticas:


Comunhão e Unidade: A Ceia é um meio de fortalecer a unidade entre os crentes, promovendo amor e solidariedade na comunidade.

Meio de Santificação: Participar da Eucaristia é um meio de crescimento espiritual, fortalecendo a fé e promovendo a santidade de vida.

Obediência ao Mandamento de Cristo: Celebrar a Ceia é obedecer à ordem de Jesus: “Fazei isto em memória de mim” (Lucas 22:19).


Conclusão


A compreensão da Santa Ceia como sacramento e presença real de Cristo, conforme defendida por John Wesley e João Calvino, destaca a profundidade e o mistério desse ato central na fé cristã. Mais do que um simples memorial, é um meio pelo qual os crentes participam da vida divina, recebendo graça e renovação espiritual.


Ao nos aproximarmos da mesa do Senhor, somos convidados a reconhecer tanto o sacrifício de Cristo quanto a Sua presença viva entre nós. É um chamado à fé, à adoração e à profunda comunhão com Deus e com a comunidade de crentes.


Bibliografia


Bíblia Sagrada:

João 6:51-56

1 Coríntios 10:16-17

1 Coríntios 11:23-29

Lucas 22:19

João Calvino:

As Institutas da Religião Cristã. Trad. Waldyr Carvalho Luz. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.


John Wesley:

Sermões. Trad. Eliel Vieira. São Paulo: Editeo, 2006.

Sermão 101 - O Dever da Comunhão Constante

Os Meios da Graça

Rattenbury, J. Ernest. Os Hinos Eucarísticos de John e Charles Wesley. Londres: Epworth Press, 1948.

Outras Referências:

Outler, Albert C. Teologia de John Wesley. São Paulo: Editeo, 2005.

Aulén, Gustaf. A Fé Cristã. São Paulo: ASTE, 1965.



Nota sobre as Reflexões de Wesley e Calvino


John Wesley enfatizou que, embora não possamos entender plenamente como Cristo está presente na Eucaristia, podemos experimentar essa realidade pela fé. Seus hinos e sermões frequentemente expressam admiração pelo mistério divino presente na Ceia. Através de linguagem poética, Wesley destaca que elementos simples podem transmitir a graça divina de maneira profunda.


João Calvino também reconheceu o mistério envolvido, afirmando que é mais importante experimentar a presença de Cristo do que entender completamente o “como” dessa presença. Para ambos, a Eucaristia é um meio pelo qual Deus comunica Sua graça aos crentes, fortalecendo-os em sua caminhada espiritual.


Ao valorizarmos a Santa Ceia como sacramento e presença real de Cristo, alinhamos nossa fé com a rica herança teológica de líderes como Wesley e Calvino. Isso nos convida a aprofundar nossa compreensão e experiência da graça divina em nossas vidas. Somos chamados a participar desse mistério com reverência, fé e gratidão, reconhecendo na Eucaristia um dos meios mais profundos de comunhão com Deus e com a comunidade de fé.

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